O Comércio Varejista Brasileiro: O Fim De Um Ciclo
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 19/08/2013

As vendas do varejo tiveram no primeiro semestre o seu mais modesto desempenho nos últimos dez anos. O crescimento real, de 3% sobre o mesmo período do ano anterior, nem mesmo suplantou o desempenho no momento mais crítico até então vivido pelo setor desde 2004, vale dizerno primeiro semestre de 2009, em razão da crise mundial. As vendas em volume tiveram aumento de 4,4% na primeira metade de 2009 e de 5,9% no ano como um todo. Diante dos últimos dados, a perspectiva para 2013 é de uma variação real das vendas do comércio de 3,5%. Trata-se de um índice muito distante da média de crescimento de 2004 a 2012, que chegou a 8%. Cabe notar que no entorno à crise (os anos de 2007, 2008 e 2010) o varejo nacional ostentou um padrão “chinês”, com expansão de 10% ao ano.

Este longo ciclo de dinamismo foi resultado de uma conjugação muito particular de fatores. Dada a relativa estabilidade da inflação no período, as políticas de redistribuição de renda (salário-mínimo e Bolsa Família) e inovações financeiras de alto impacto no crédito pessoal (dentre outras, a criação do “crédito consignado”) potencializaram o consumo familiar, que, por seu turno, alavancaria o crescimento do PIB e do emprego, realimentando a expansão através tanto de aumentos subsequentes no rendimento da população quanto da evolução continuada do crédito. Nesse processo, o sistema bancário promoveu significativa ampliação de prazos dos financiamentos, melhorando o acesso ao crédito.

Vários segmentos da indústria e de serviços se beneficiaram do ciclo de consumo, mas o crescimento sem precedentes do varejo — o qual abrigaria um gigantesco ciclo de construção de shopping centers no país — foi o seu maior símbolo. O que parece indicar que o varejo vivencia no corrente ano uma reversão deste processo — e não meramente assiste a um desvio momentâneo de sua anterior rota de expansão — é a generalização da rebaixa das taxas de crescimento apuradas em 2013.

Alguns exemplos são ilustrativos. O segmento de maior representatividade, “Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios e bebidas” teve crescimento diminuto (0,3%) na primeira metade de 2013, após nove anos de aumento médio de vendas de 6,6%. A inflação de alimentos na entrada de 2013, certamente aprofundou uma desaceleração, a qual, no entanto, ocorreria de qualquer modo, devido à perda de ritmo do emprego e do rendimento médio da população ocupada.

Nos segmentos tipicamente de bens duráveis, como “Móveis eeletrodomésticos”, “Equipamentose materiais para escritório, informática e comunicação” e “Veículose Motos, Partes e Peças”, a desaceleração, embora não tão profunda, foi intensa, incluindo os bens beneficiados pelo governo com estímulos fiscais. No primeiro deles, uma taxa média anual entre 2004 e 2012 de 14,5% cede lugara uma evolução de 3,8% no primeiro semestre de 2013. No segundo, um segmento que anteriormente ao boom do consumo tinha baixa penetração popular, os índices de um e do outro período foram respectivamente, 23,5% e 3,7% e, finalmente, em “Veículos” as taxas foram de 10,9% e 4,2%. Ou seja, o forte encolhimento do dinamismo do varejo foi generalizado, envolvendo o principal segmento de bens não duráveis e todos os de bens duráveis, reflexo de que a nova conjuntura combina trajetórias bem mais moderadas simultaneamente do poder de compra da população e do crédito.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda