Inflação, Comprometimento de Renda e o Varejo
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 22/04/2013

O varejo brasileiro cresceu nos últimos anos a taxas muito altas - via de regra superiores a 8% em termos reais -, mas pode estar mudando seu patamar de expansão. Em fevereiro deste ano não só houve queda de 0,4% na comparação com janeiro, como este retrocesso envolveu todos os seus principais segmentos, ou seja, alimentos e bebidas, vestuário e calçados, móveis e eletrodomésticos, lojas de departamento e ainda combustíveis. Frente a fevereiro do ano passado houve também queda, no caso, de 0,2%, a primeira desde novembro de 2003. Esses números não devem ser interpretados como indicadores de uma reviravolta em direção a um ciclo de declínio das vendas do comércio. No entanto, podem sinalizar uma trajetória de menor intensidade de crescimento no futuro próximo. No acumulado de janeiro-fevereiro do corrente ano com relação ao mesmo período de 2012 o aumento real de vendas chegou a 2,9%, um índice bem menor do que 8,4% alcançado no ano passado. As melhores projeções para 2013 indicariam, a nosso ver, um percentual como 5% a 6%, o qual, embora seja bem inferior ao padrão médio desde 2004, ainda assim deixaria o Brasil na confortável situação de desfrutar de um dos mais dinâmicos mercados de consumo de todo o mundo na atualidade.

Sem dúvida, a aceleração inflacionária no final do ano passado e início deste ano pesou no orçamento do brasileiro e pode ser destacada como a causa particular mais relevante para o desempenho adverso do varejo em fevereiro. Tal aceleração, embora tenha sido liderada por fatores tópicos ou sazonais relacionados ao grupo de alimentação, foi generalizado, o que restringiu as estratégias de defesa da população diante de um quadro repentinamente mais adverso para os preços. O IPCA referente a março já mostra mudança na maioria dos itens que compõem o orçamento familiar, a exemplo de serviços, o que se for confirmado beneficiará a recomposição de renda dos consumidores, favorecendo o varejo. Isto pode aliviar a pressão inflacionária futura, mas um outro fator pode estar entrando em cena afetando negativamente o varejo. O ciclo de consumo desencadeado pela redistribuição de renda alcançou recentemente os serviços mais especializados. A demanda desses serviços implica em gastos continuados definidos ou não em contrato, levando a um maior comprometimento de renda familiar. Não estamos falando apenas dos maiores dispêndios em serviços de telefonia, comunicações e informática, mas também em planos de saúde, TV a cabo e turismo e viagens.

O Banco Central vem acompanhando o comprometimento de renda das famílias com suas dívidas junto ao sistema financeiro, o qual tem mostrado tendência de queda desde o ano passado. O ponto destacado aqui é outro. Trata-se da maior destinação da renda para serviços que, na prática, corresponde ao gasto de quantias regulares, o que pode estar começando a limitar a demanda de bens por parte da população. A propósito, os dados do comércio varejista coletados pelo IBGE cobrem as vendas de bens e não as transações com serviços.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda