O Brasil e as Cadeias Locais
 
Julio Gomes de Almeida
– Professor do Instituto de Economia da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
 
Brasil Econômico – 04/03/2013

Voltou à tona o tema do afastamento do Brasil das cadeias globais de valor. Mas, no debate pouco se tem dado ênfase ao fato de que isso ocorre há décadas. Dada a larga experiência por nós acumulada, outro ponto também deveria ser pacífico: as políticas que se baseiam simplesmente na abertura às importações não podem ser consideradas bem-sucedidas para a integração da economia brasileira. Tampouco serão exitosas as políticas baseadas na proteção pura e simples. Políticas de competitividade, industriais e de desenvolvimento tecnológico e ações para atração de empresas transnacionais serão decisivas. O Brasil pode e deve também ampliar seus acordos de comércio. Como o fazem os emergentes bem-sucedidos, nas negociações comerciais é fundamental valorizar seu potencial importador como forma de impulsionar sua capacidade exportadora. Não será tarefa fácil. As três últimas décadas presenciaram alterações de grande envergadura na distribuição espacial das cadeias manufatureiras. A globalização das cadeias de valor ocorreu de forma muito assimétrica. As economias centrais perderam posição no valor agregado manufatureiro e os ganhadores foram os países asiáticos sob a liderança chinesa.

A mudança na configuração espacial da indústria foi marcada por um intenso processo de centralização do capital produtivo manufatureiro à escala mundial e acompanhada de um grande esforço das corporações transnacionais para concentrar suas estratégias na “atividade principal”. As consequências dessas transformações não são triviais. A centralização do controle capitalista na grande corporação deu lugar à “exteriorização” dos segmentos produtores de peças, componentes e bens finais sob o comando “inteligente” da chamada “empresa integradora”, responsável pelas concepções estratégicas. Esse movimento barateou enormemente os custos e aumentou a eficiência dos sistemas da produção manufatureira.

O Brasil e a América Latina ficaram praticamente à margem desse processo. Antes do Plano Real, a crise aguda de balanço de pagamentos e a ameaça hiperinflacionária afastaram o País das estratégias de reorganização da grande empresa transnacional. Depois, a valorização do real, além de reanimar a vulnerabilidade externa, desfavoreceu a participação brasileira nas cadeias produtivas globais, sobretudo onde ocorriam com mais intensidade as transformações estruturais e tecnológicas, dentre eles os setores de tecnologia de informação e comunicações e na eletrônica. Isso não significa que as empresas transnacionais tenham deixado de buscar o mercado brasileiro e o Mercosul. Mas a motivação do investimento é claramente a atração exercida pelo mercado interno regional. Na maioria dos casos, o Brasil participa das cadeias globais na ponta final do processo produtivo. É bom esclarecer que a participação nas cadeias envolve uma dinâmica peculiar entre exportações e importações: se produz para exportar tanto quanto se importa para produzir. Há muito tempo o Brasil está afastado do movimento de reestruturação produtiva e empresarial que atende pelo nome de globalização e daí vem um atraso em sua inserção externa que é de difícil recuperação.


Julio Gomes de Almeida é Professor do Instituto de Economia da Unicamp
e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda