O Contágio da Crise
Julio Gomes de Almeida
– Professor da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Brasil Econômico – 30/07/2012

Como se sabe, o Brasil sofre desde a segunda metade do ano passado os efeitos do agravamento da crise mundial e da retração do seu setor industrial. Por isso, a disposição de nossos empresários de investir e dos nossos bancos de emprestar diminuiu muito, resultando na retração do investimento e do consumo de bens duráveis. Por outro lado, a despeito do câmbio mais favorável, a situação externa ditou um significativo esfriamento das exportações, inclusive de produtos básicos, enquanto a rápida perda de ritmo da economia determinava taxas muito menores de crescimento das importações. A economia estagnou desde meados de 2011, mas nem o emprego mostrava que viria a ser fortemente afetado, nem a condição fiscal ou o financiamento externo davam sinais de deterioração.

No entanto, os dados mais recentes trazem fatos novos que devem ser ponderados. No setor externo, os resultados não confirmam o anunciado "desinteresse" do capital estrangeiro pelo Brasil já que somente o ingresso líquido de investimento direto estrangeiro no primeiro semestre, que montou a US$ 29 bilhões, foi mais do que suficiente para amparar o déficit externo do país de US$ 25 bilhões. No emprego formal e na arrecadação tributária, o primeiro semestre pode ser considerado bom, já que a criação de postos de trabalho, a despeito de ter sido 32% menor com relação ao primeiro semestre do ano passado, chegou a 858 mil novos empregos e a arrecadação da receita federal subiu 3% em valores reais. Mas no mês de junho ambos os quadros parecem ter sofrido uma inflexão. O emprego caiu nada menos que 44% frente ao mesmo mês de 2011 com quedas acentuadas na indústria, comércio e agropecuária, e a receita fiscal recuou 6,8%.

Se a reviravolta de junho para o emprego formal for confirmada e se espalhar para o emprego informal, um fator de propagação do contágio da crise até então ausente passará a operar. Emprego e massa de rendimentos da população mais baixos enfraquecem o consumo corrente sem melhorar o consumo diferenciado de bens duráveis. O contágio passa a afetar as indústrias mais empregadoras, contamina a demanda de serviços pessoais e retrai a atividade do varejo. Nada disso se apresenta no momento. Pelo contrário, nas principais regiões do país o crescimento do emprego, sobretudo no setor de serviços, continua tendo vigor, o rendimento da população cresce a uma taxa razoável e uma expansão próxima a 7% da massa real de rendimentos dá sustentação a um aumento da mesma ordem para a atividade varejista. Mas é preciso acompanhar a partir de agora com muito maior preocupação a questão do emprego.

Quanto à receita de tributos, o governo não deve procurar responder à redução de junho mediante o aumento de impostos, pois com isso agravará a desaceleração econômica e reduzirá a própria arrecadação. Diante da cautela dos agentes privados e do risco agora aparentemente maior de contágio, a orientação da política econômica deveria caminhar exatamente no sentido contrário, abrindo mão da meta de superávit primário corrente e ampliando os gastos, de preferência em investimentos, para proteger a economia, o emprego e a arrecadação futura.


Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e
Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda