Crise Externa e Interna
Julio Gomes de Almeida
– Professor da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Brasil Econômico – 23/07/2012

Algumas interpretações da situação econômica brasileira relevam o determinante externo para explicar uma paralisação do crescimento que já se estende por três trimestres. O argumento é que o benefício trazido pelas commodities perdeu força e está refluindo em função do agravamento da crise mundial, o que para uma economia dependente desses produtos significa menor crescimento. Que o recente boom de commodities favoreceu o crescimento do país, não há dúvida, mas daí concluir que o Brasil apresenta o mesmo grau de dependência que outras economias têm dos bens primários vai uma grande diferença.

A valorização dos produtos agrícolas e minerais ocorrida desde 2003 concedeu à economia brasileira maiores graus de liberdade para crescer, por ampliar o financiamento de seu setor externo. Nesse sentido, foi crucial para acomodar o gigantesco déficit do comércio exterior de bens industriais que foi se avolumando nos últimos anos. Concorreu também para uma rápida acumulação de reservas internacionais, o que permitiu ao país resistir à crise mundial de 2008 e à fuga de capitais que se seguiu.

Mas, no Brasil, a economia de commodities não tem o mesmo poder de difusão de seu dinamismo para o resto da economia que tem em outros países especializados em bens primários. Salvo para algumas economias regionais, não vem daí a alternância de etapas do ciclo econômico e nem a geração de empregos ou a arrecadação tributária brasileira estão particularmente articuladas com a economia primário-exportadora. Em suma, não sendo em si o motor da expansão recente da economia brasileira, o boom de commodities concorreu de forma decisiva para que o ciclo doméstico de uma economia complexa e diversificada voltasse a se manifestar plenamente.

E a atual etapa do ciclo não é das mais favoráveis porque no momento refluem os dois mais dinâmicos definidores da última expansão: o consumo de bens duráveis e o investimento. No primeiro caso, após a excepcional retomada propiciada pela redistribuição da renda e potencializada pela evolução do crédito, o consumo de duráveis entrou em retração em 2012 em parte porque os bancos temem uma onda de inadimplência das famílias e por isso frearam concessão de novos créditos esperando "digerir" o acúmulo de dívidas formadas anteriormente. A isto se associa uma forte reversão das decisões de investir iniciada já em 2011 e motivada por fatores próprios (como o deslocamento da produção da indústria local pela importação, o que deprime o investimento industrial) e por causas externas (a piora do quadro mundial, o que deteriora a confiança dos empresários).

Queiramos ou não, o fato é que ao contrário de 2008/2009, agora a piora no cenário internacional coincide com uma mudança da fase do ciclo interno. Isto torna mais difícil executar políticas compensatórias porque, diante da restrição do crédito corrente e de expectativas pouco favoráveis por parte de consumidores e empresários, perdem eficácia ou custam mais a fazer efeitos as ações anteriormente executadas com grande e imediato êxito, a exemplo da redução de impostos para bens duráveis e da ampliação do crédito oficial para investimento.


Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e
Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda