A Reforma do Financiamento
Julio Gomes de Almeida
– Professor da Unicamp e Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
Brasil Econômico – 16/07/2012

Para dizer o mínimo, o financiamento no Brasil é inadequado. O crédito corrente é o mais caro do mundo, o que vale para as famílias, onde a taxa média de juros chega a 38,8% ao ano, e também para as empresas, que pagam em média 25% ao ano. Isto significa que os dois principais agentes econômicos carregam dívidas excessivamente inchadas pela renda capturada na intermediação financeira por rentistas, bancos e o próprio governo. Por consequência, o comprometimento da renda familiar necessário para honrar as dívidas rapidamente se torna excessivo, o que em certos momentos, como agora, retarda a evolução do consumo.

Do lado das empresas, em razão do alto custo do capital de terceiros, estas se veem obrigadas a fugir das dívidas, limitando investimentos ou balizando por meio de elevado autofinanciamento o seu acesso às linhas convencionais do sistema financeiro. Nesse sentido, as ações da atual política econômica para reduzir tanto a taxa básica de juros quanto os "spreads" bancários são de suma importância para que um novo ciclo de crédito facilite a retomada do consumo e dos investimentos na economia.

Não se esgota nesses pontos a inadequação do modelo de financiamento. As fontes voluntárias voltadas a amparar os investimentos em capital fixo praticamente não existem internamente, o que aprofunda a dependência aos recursos oficiais e ao endividamento externo. As empresas brasileiras têm pouco acesso ao mercado de ações, o crédito bancário de prazo mais longo é escasso e é flagrante a limitação da colocação de títulos corporativos (debêntures). Para ilustrar, como proporção do PIB, o estoque de títulos corporativos em 2010 era de 20% nos EUA, 17% no Japão, 11% na Alemanha, 9% na China e 3,4% no México. No Brasil, mal chegava a 0,5%.

A conclusão é que, praticamente só no BNDES estão disponíveis fundos a longo prazo, o que é muito pouco por mais que esta instituição tenha aumentado suas operações nos últimos anos. Em razão deste deficiente modelo de financiamento o investimento e o desenvolvimento das empresas do país ficam para trás. Setores pesados da indústria e a infraestrutura são segmentos na linha de frente dentre os mais atingidos.

Um estudo realizado por Ernani Torres Filho e Luiz Macahyba para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e o Instituto Talento Brasil (ITB) procura indicar caminhos para potencializar o mercado de debêntures, antecipando oportunidades abertas com a redução da taxa Selic. É proposto um "Programa de Emissões de Títulos Corporativos Incentivados" tendo como meta a colocação de R$ 50 bilhões em debêntures de empresas de qualquer setor de atividade lastreadas em bons programas de investimento ou de pesquisa tecnológica e inovação. Esses títulos usufruiriam de incentivos fiscais já existentes (muito embora hoje restritos ao setor de infraestrutura, uma limitação que precisaria ser removida) e contariam com especial atuação dos bancos públicos para dar garantia firme a uma parcela substantiva dos lançamentos, que só seria exercida caso as emissões não sejam totalmente distribuídas aos investidores. É um passo na direção da reforma do financiamento.


Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e
Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda