As medidas de redução de impostos e facilitação
de crédito anunciadas pelo governo na semana passada trarão
efeitos positivos. Elas se debruçam sobre a indústria
de veículos, que reúne tanto a produção
de bens de consumo (automóveis de passeio), quanto de bens
de capital (ônibus, caminhões e utilitários).
O setor, que vem se destacando como determinante do mau momento
pelo qual passa a indústria brasileira respondendo por
4/5 da retração de 3% da produção
industrial acumulada no primeiro trimestre desse ano, se encontra
com níveis excessivos de estoques de produtos finais. A
desova desses estoques deverá se dar ao longo do prazo
previsto para a duração das medidas (final de agosto),
o que reabrirá condições de crescimento do
setor.
É possível
que nesse período outros segmentos industriais também
cheguem ao término de seus ciclos de ajuste de estoques,
de forma que a indústria como um todo poderá voltar
a ter uma evolução positiva ainda este ano, beneficiando-se
ainda das demais iniciativas da política econômica,
como o aumento do salário mínimo que vem reforçando
o consumo de base da população, a redução
da taxa Selic, o barateamento do crédito, o reposicionamento
da taxa de câmbio, a ampliação das linhas
do BNDES para o financiamento de projetos de inversão e
as desonerações do investimento, das exportações
e da folha de salários promovidas pelo Plano Brasil Maior.
Como, por
seus efeitos diretos e indiretos, a indústria vem se constituindo
o epicentro da retração econômica, sua recuperação
contribuirá para que a economia brasileira saia da quase
estagnação em que se encontra há três
trimestres ainda em tempo para crescer em 2012, embora modestamente.
Nos últimos três trimestres, a marcha da evolução
do PIB registra queda de 0,1% e elevações de 0,3%
e de 0,15%, segundo estimativa do Banco Central.
Mesmo assim,
o crescimento em neste ano será apenas modesto, em parte
porque as condições da economia internacional se
deterioraram gravemente e já atingem o fluxo de capitais
para o Brasil e concorrem para a contração do crédito
externo e para deprimir as exportações, pois mercados
relevantes para as exportações brasileiras estão
se contraindo e os preços de commodities caem. Além
disso, o cenário externo agrava as incertezas nas decisões
de investir dos empresários e amedronta os consumidores
de bens duráveis e as instituições que os
financiam.
Todavia, deve-se
ter presente que a crise mundial não é o único
fator para a falta de dinamismo econômico doméstico.
O momento de nossa economia é muito diferente hoje do que
era em 2008 quando estourou a crise mundial. Naquela oportunidade,
dois ciclos de grande intensidade se desenvolviam e se sobrepunham
internamente: o ciclo de investimento em infraestrutura e em nova
capacidade produtiva industrial, impulsionado pelos programas
públicos em infraestrutura e exploração de
petróleo e pela perspectiva de crescimento econômico;
e o ciclo de consumo de duráveis e habitações,
municiado pela evolução do crédito e amparado
pela formalização e aumento do emprego e do rendimento
real da população.
Nesse quadro,
como a disposição de investir e consumir foi preservada
pelo compromisso assumido pelo governo de manutenção
de seus programas de investimento e de renda (a exemplo do PAC
e do Bolsa Família) e a solidez bancária foi assegurada
por ações Banco Central, como a liberação
do compulsório e as facilidades criadas para a compra de
carteiras dos bancos de menor porte pelos bancos maiores, a política
econômica pôde atuar largamente apoiada em medidas
voltadas a dar continuidade: a) à evolução
do crédito corrente pela ação, sobretudo,
dos bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa); b) ao “boom”
de consumo de duráveis por meio, principalmente, de reduções
de impostos na compra de veículos e outros bens duráveis;
e c) à onda de inversões, pelo reforço de
recursos concedidos pelo Tesouro ao BNDES, o que mesmo no contexto
de ruptura do crédito externo, tornou possível o
financiamento dos investimentos em curso no país.
Como se sabe,
esta orientação da política econômica
se notabilizou por ser muito ativa em irrigar a liquidez bancária
e em recuperar o crédito, sendo parcimoniosa relativamente
a outras experiências internacionais de combate aos efeitos
da crise, em promover o gasto público direto e o estímulo
fiscal, salvo no que diz respeito aos incentivos de redução
de impostos para bens duráveis.
Atualmente,
o ciclo de investimentos dá sinais de reversão,
sobretudo na área industrial em função da
crise vivida por esse setor e pelas perspectivas nada favoráveis
à produção interna da concorrência
do produto importado. Quanto ao ciclo de consumo, sua fase é
de descenso, seja porque a população antecipou a
compra de duráveis aproveitando os benefícios fiscais
e a farta disponibilidade de financiamento e agora modera seu
apetite de novas compras, seja porque as instituições
financeiras neste momento identificam riscos de inadimplência
após forte expansão de seus financiamentos às
famílias, de forma que também desejam “digerir”
esse processo.
Por esses
motivos, perde eficácia repetir o modelo de atuação
da política econômica com base na maior disponibilidade
do crédito e em incentivos fiscais ao consumo que tanto
êxito teve anteriormente. Medidas nessas áreas ainda
podem e devem ser tomadas, mas, como seu alcance é menor,
devem ceder lugar na hierarquia de relevância às
ações orientadas ao investimento.
Caminharia
nesta direção o reforço substancial do gasto
público em investimento e a concessão de incentivos
de grande impacto e diretamente associados ao investimento privado,
como a instituição da depreciação
acelerada para as inversões realizadas, por exemplo, nos
próximos 12 meses. No atual estágio da economia
doméstica e da crise internacional deveriam ser avaliadas
com atenção medidas para dar maior folga financeira
e maior capacidade de financiamento dos investimentos às
empresas (a exemplo da postergação de recolhimentos
de impostos pelas empresas e uso do compulsório dos bancos
para o financiamento de longo prazo às empresas) e para
reforçar, através das inversões dos Estados,
o investimento público da União (via suspensão
/ redução de pagamentos das dívidas dos estados
com a União, em contrapartida a maiores investimentos).