A Outra Vulnerabilidade
Julio Gomes de Almeida
– Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp
Brasil Econômico – 22/03/2012

Durante quase uma década, o Brasil viveu sob intensa vulnerabilidade externa, resultado de uma moeda muito valorizada e de uma instabilidade internacional que sacudia praticamente a cada dois anos uma importante economia em desenvolvimento ou até blocos inteiros de economias emergentes. Estas foram "aprendendo" a lidar com a situação e rapidamente promoveram transições de déficit para superávit externo. Nesta última condição, acumulavam reservas, podendo passar ao largo da instabilidade financeira internacional. A defesa adotada por esses países não era aplicável ao Brasil, pois os condutores da política econômica acreditavam ser a corrente de comércio, e não o saldo comercial, a variável decisiva do ajuste. Por isso, a cada ensaio de aceleração do crescimento doméstico, o maior déficit em transações correntes acendia o sinal vermelho de uma crise cambial, cujo estopim podia ser um evento externo ou mesmo uma ocorrência interna.

Assim, o frágil percurso econômico do país veio a ser interrompido em 1995 e novamente em 1997, 1999, 2001 e 2002-3, ou pelo contágio de crises em economias como a do México, Coreia e outros países asiáticos, Argentina, Turquia ou por crises próprias ao nosso país e à sua inserção internacional, como a crise de energia de 2001 e a crise da "eleição de Lula" de 2002-03.

Na verdade, o país nada fez para mudar esse quadro, mas um duplo movimento na economia mundial nos libertaria desta vulnerabilidade, introduzindo, todavia, outra de natureza mais estrutural. O fenômeno China promoveu uma enorme valorização das commodities e as baixas taxas de juros e a liquidez internacional frouxa, antes e após a crise de 2008, intensificaram os fluxos de capitais, o que ampliaria nosso déficit financiável em transações correntes. Isso ensejou uma acumulação sem precedentes de reservas internacionais pelo Brasil que enfim trilharia o percurso de outros emergentes. Em consequência, o país não repetiria as crises anteriores, sendo apenas contagiado pela crise global.

Daí o crescimento mais regular que elevou o nível médio da expansão da economia nos últimos seis anos. Mas os mesmos fatores que tanto nos beneficiavam valorizaram extraordinariamente o real, abrindo-se um déficit gigantesco de produtos industriais, o que, por seu turno, desenvolveu uma grande dependência do setor externo brasileiro às commodities. O Brasil poderia ter evitado esta outra vulnerabilidade, mas para isso teria de adaptar seu modelo econômico em pleno apogeu do reconhecimento internacional de seu sucesso, e, assim, mais uma vez, nada foi feito.

Um estudo da economista da Unicamp Daniela Prates simulou o resultado comercial na hipótese hoje menos provável, mas que não deve ser descartada, em que os preços de commodities voltem aos níveis de janeiro de 2009. Apareceria um déficit de US$ 41 bilhões, contra um saldo de US$ 30 bilhões em 2011. A curto prazo, o Brasil dispõe de reservas para se defender de cenários adversos e, no médio prazo, contará com a exploração do pré-sal. Resta torcer para que uma crise externa não faça desaparecer o colchão das reservas antes que chegue a abundância dos recursos do petróleo.


Julio Gomes de Almeida é ex-secretário de Política Econômica
do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp