A Política Monetária
Julio Gomes de Almeida
– Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e economista do IEDI
Brasil Econômico – 15/03/2012

Já estão suficientemente claros os contornos da política monetária no novo governo. Não há uma mudança radical, como se esperava, mas algumas orientações se revestem de decisiva importância. Antes de mais nada, o Banco Central demonstrou sua independência de autoridade monetária ao elevar a taxa Selic, apesar de o governo declarar em alto e bom som que desejava baixar a taxa de juros para 2% em termos reais, no início da gestão. O Banco Central provou ter suas próprias avaliações sobre a perspectiva inflacionária do país e que não abriria mão de executar uma política por ele avaliada como adequada.

Em dois outros campos foram introduzidos enlaçamentos novos envolvendo a atuação do Banco Central. Primeiro, o governo assumiu compromisso de que faria um resultado primário na faixa de 3% do PIB. O compromisso foi recebido com dúvidas, mas sua consistência foi ganhando terreno à medida que transcorria o ano de 2011. Ainda estamos em uma fase em que, do lado fiscal, nos atemos a uma meta geral de déficit primário, sem que tenhamos obtido um avanço em outro campo que nos parece vital: o da hierarquia relativa entre os gastos de custeio e os gastos de investimento, na direção de redução como proporção do PIB dos gastos do primeiro tipo e aumento dos do outro tipo. Eventualmente, também poderia haver maior preocupação em reduzir os encargos de juros do setor público.

Em segundo lugar, revelou-se eficaz a política macroprudencial do crédito. As medidas de contenção adotadas no final de 2010 também foram recebidas com desconfiança por pretensamente reproduzirem práticas de nocivos controles de crédito do passado ou simplesmente por não terem eficácia em termos de auxílio à política monetária. As medidas não derrubaram o crédito das famílias, mas delimitaram com grande precisão o aumento dos financiamentos, que cresciam a taxas realmente exageradas no início de 2011 em função de uma concorrência redobrada dos bancos para atrair a numerosa clientela que se agregava ao mercado consumidor.

Com base nesses novos elementos o Banco Central pôde ganhar raios de manobra para construir as bases para reverter o aumento de juros quando as condições permitissem. Isso viria a ocorrer em agosto, quando a taxa Selic surpreendentemente interrompeu sua alta e teria sua primeira queda no governo Dilma. Mais uma vez, a medida tomada por muitos como capitulação do Banco Central ao governo se revelaria sustentada em antecipações que seriam verificadas. A avaliação era de que a crise internacional, sobretudo na Europa se agravaria, como de fato ocorreu, e que o nível de atividade doméstica entraria em declínio, o que o fraco desempenho do PIB em 2011, há pouco divulgado, confirmaria, amparando uma redução maior da Selic na última reunião do Copom. Uma adicional ampliação de instrumentos para o controle inflacionário, que permitiria uma maior dose de ousadia da política monetária, poderia ser obtida com a desindexação que ainda prevalece na nossa economia, envolvendo a referência a índices gerais de preços vigentes em muitos contratos de serviços públicos e em aluguéis, além da indexação financeira.


Julio Gomes de Almeida é ex-secretário de Política Econômica
do Ministério da Fazenda e economista do IEDI