A Indústria É Um Sistema
Julio Gomes de Almeida
– Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp
Brasil Econômico – 23/02/2012

Não é por acaso que se deu o nome de Revolução Industrial ao processo de generalização do sistema fabril. Ele foi muito além de arrasar o modo de produção até então prevalecente porque instituiu um sistema interligado e complexo de geração de valor e de progresso técnico. Interligado porque a dinâmica da indústria cria novos bens e novos métodos e meios de produção para a si própria e para os demais setores. A agricultura e serviços podem ter produção de tecnologia independentemente do setor industrial. O Brasil é um exemplo disso, através da Embrapa e sua enorme capacidade de inovar no campo. Mas, em geral, são os meios de produção concebidos na indústria os responsáveis pelo progresso técnico e aumento da produtividade não só nesse setor como em outros.

A indústria tem outra poderosa característica, além da geração e difusão de tecnologia. É que, ao contrário dos demais setores, faz de sua produção um indutor de demanda para outros setores e para si mesma. Isso tem um significado todo especial para o desenvolvimento econômico, pois significa que um dado estímulo de demanda - proveniente do investimento, consumo ou exportação - resultará em crescimento maior da renda e do emprego na condição de que a economia tenha um setor industrial relevante. Esta é outra forma de dizer que o multiplicador será tão maior quanto maior a força do setor. A indústria tem esse poder porque através de suas compras de bens e serviços intermediários, simultaneamente torna a sua produção uma produção adicional para outros segmentos industriais e para os demais setores da economia. Como para produzir é necessário em alguma medida empregar e investir mais, novos efeitos dinâmicos são desencadeados a partir daí.

Assim, como observa em seus artigos o prof. Luiz Gonzaga Belluzzo, a indústria define um sistema de produção. Não é por outra razão que os processos mais representativos do avanço econômico moderno passam pela industrialização. Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Coreia e agora a China, conceberam seu desenvolvimento em torno da indústria. Primeiro, pela capacidade de difusão de seu dinamismo para a economia como um todo; segundo, porque aí reside a condição do maior progresso técnico. Inovar é uma decorrência da industrialização avançada, especialmente, no segmento produtor de bens de capital e bens intermediários.

Nem todo país pode contar com setor industrial capaz de gerar esses efeitos endógenos, se a população é pequena ou a dimensão territorial é restrita. Não sendo assim, o desenvolvimento passa pela indústria. Nesses casos, as políticas macroeconômicas e as políticas de crédito, câmbio, P&D, exportação e importação, dentre outras, devem estar em consonância com o objetivo do avanço industrial. O Brasil, um país continental, populoso e de grande mercado interno, paradoxalmente vive um momento em que nunca foram tão favoráveis as condições internas e externas para sua reindustrialização, ao mesmo tempo em que se apresentam, como nunca antes, os perigos de uma aguda e definitiva desindustrialização. Tudo porque não há uma definição clara sobre os rumos que deverá seguir seu desenvolvimento econômico de longo prazo.


Julio Gomes de Almeida é ex-secretário de Política Econômica
do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp