Algumas manifestações vêm propondo o imediato
fim do crédito direcionado mantido pelo Brasil nas áreas
do investimento, habitação e setor rural. Alternativamente,
os financiamentos nessas áreas desde já deveriam
passar, segundo essas teses, a ter a taxa Selic como referência,
o que os encareceria sobremaneira. O argumento é que com
ações dessa ordem a taxa básica de juros
da economia poderia cair mais rapidamente.
O tema é
muito relevante e seu debate deve considerar os diversos fatores
que levaram à estruturação no país
de um sistema especial de financiamento em paralelo ao crédito
voluntário, este mais especializado em operações
de curto prazo, enquanto o outro se atém majoritariamente
a operações de mais longo prazo e de maior risco.
Muitas economias dispõem de algum tipo de suporte financeiro
público aos setores primário e habitacional e criaram,
a exemplo da China, para citar apenas o caso do fenômeno
industrial mais recente, sistemas oficiais de financiamento do
desenvolvimento.
No Brasil,
tem sido realmente notável a ascensão do BNDES no
financiamento empresarial nos últimos anos. Mas, tal tendência
é, antes, uma decorrência e não a causa das
taxas de juros extraordinariamente elevadas em vigor por um prolongado
período de tempo no país. Isso inibiu o progresso
de linhas de crédito de longo prazo em nosso sistema financeiro
e aprofundou o papel do nosso banco de desenvolvimento. Também
deve ser destacado que o crédito dirigido vem cumprindo
certos requisitos. Tomando uma vez mais o BNDES como ilustração,
é reconhecida sua competência na análise de
projetos e a inadimplência em suas operações
é baixíssima. Por outro lado, a despeito de críticas
à concentração de seus recursos em certos
setores – o que poderá ser evitado com uma maior
precisão na definição de prioridades da política
industrial – o fato é que o banco sempre protagonizou
as mais importantes mudanças da economia brasileira.
Assim, todo
o cuidado será pouco para que não sejam desarticulados
os atuais canais de financiamento que contribuem para a estabilidade
e o desenvolvimento da economia. Caso as linhas de financiamento
que hoje ajudam a amparar a habitação, o investimento,
a inovação, o reequipamento na agricultura e na
indústria, a exportação e a infraestrutura
sejam descontinuadas ou seu custo seja subitamente majorado, os
efeitos disso sobre a produtividade e o aumento da capacidade
produtiva da economia poderão gerar efeitos contrários
aos desejados.
O debate ganharia
maior envergadura se viesse acompanhado da discussão sobre
uma reforma do modelo de financiamento de longo prazo no país.
Tudo ficará mais factível se a taxa básica
de juros tiver um percurso sustentável de queda e, nesse
sentido, é decisivo que o governo mantenha e aprofunde
sua manifestada intenção de reunir forças
no campo fiscal e creditício para auxiliar a política
de juros no combate à inflação. Isto por
si só beneficiará o financiamento voluntário
de longo prazo. Mas será preciso ativar mecanismos para
que, em paralelo, o financiamento do investimento na economia
vá se libertando dos fundos públicos e da poupança
forçada.
Desde o final
de 2010 o governo vem instituindo incentivos para promover as
linhas privadas de financiamento e no dia 1º de dezembro
de 2011 reduziu de 6% para zero a alíquota do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) sobre as aplicações
de não residentes em títulos privados de longo prazo.
Mas, a nosso ver, seria também oportuna uma revisão
das ações já adotadas para que mais amplos
estímulos para as aplicações domésticas
de longo prazo permitam alcançar o objetivo com maior brevidade.
Por exemplo,
o governo concedeu incentivos muito amplos de isenção
de IR para os aplicadores estrangeiros em títulos públicos
e privados, mas restringiu sobremaneira o benefício para
o nacional. Se houver um equilíbrio maior na regulamentação
será aberto um caminho para que as reduções
na taxa básica de juros tenham um maior e mais imediato
impacto no desenvolvimento do mercado de capitais. O IEDI está
estudando o tema e em breve divulgará suas sugestões
a esse respeito.
O financiamento
voluntário de longo prazo também será favorecido
pela desindexação que o governo poderá promover
na dívida pública, eliminando ou restringindo os
títulos com remuneração associada à
taxa Selic que tanto favorece as aplicações de curto
prazo quanto desestimula a poupança de longo prazo. O resultado
será um sistema onde os instrumentos de mercado, as linhas
privadas e as fontes voluntárias de financiamento terão
uma expressão maior mesmo entre as modalidades de financiamento
hoje atendidas quase integralmente pelo crédito direcionado.
Na transição,
as agências públicas, como o BNDES, terão
papel fundamental. Deverão manter suas linhas de financiamento
para não interromper o investimento, mas, gradativamente,
poderão usar sua força indutora para acelerar a
passagem ao novo modelo, exigindo ou incentivando maior participação
do mercado de capitais no financiamento dos projetos apoiados
e promovendo operações conjuntas com instituições
privadas. Uma agenda como essa demandará muito empenho
e complexa articulação público-privada, mas
seu resultado pode ser recompensador por dotar o país de
bases adequadas ao financiamento privado. O grande beneficiário
será o desenvolvimento econômico e social do país.