O duplo papel do BNDES
Julio Gomes de Almeida - Professor da Unicamp e consultor do Iedi
Brasil Econômico – 12/01/2012

As polêmicas que com muita frequência envolvem as operações do BNDES normalmente não levam em conta o duplo papel exercido pelo banco na economia brasileira. Ele cumpre funções de formulador e executor de políticas, como a exportação de manufaturados, financiamento de obras do PAC, políticas tecnológicas e de inovação empresarial e políticas industriais a exemplo do recém-anunciado Plano Brasil Maior. Já cooperou em muitos outros processos relevantes, como a privatização de empresas estatais dos anos 90 e, anteriormente, da formação da infraestrutura e da constituição da indústria de base. É um papel que a instituição não deixará de cumprir, ainda que sejam postas em prática as mais drásticas mudanças que vêm sendo propostas, dentre elas a supressão de recursos que servem de base ao financiamento corrente do banco de desenvolvimento ou o encarecimento radical das taxas de juros cobradas nos seus empréstimos. Isto porque é estreita a correspondência entre as operações do banco e a execução de políticas que foram, são e serão relevantes para o desenvolvimento econômico e social. No recente episódio de crise nos países centrais e seu contágio sobre as economias emergentes, ficou evidente a importância dos países contarem com instituições públicas de fomento para atuarem de forma anticíclica.

Mas, o BNDES na prática também acaba exercendo a função de suprir as lacunas do financiamento de longo prazo, algo que os bancos juntamente com o mercado de capitais exercem em outras economias, incluindo as emergentes. Desse ponto de vista, o Brasil acumula significativo atraso com relação a outros países. Nosso crédito é ágil, mas é caro demais e os prazos são muito curtos, correspondendo aos prazos diminutos com que são feitas em média as captações bancárias. Liquidez pronta combinada com alta rentabilidade não é a melhor fórmula para desenvolver o crédito de longo prazo, de forma que o financiamento no Brasil, salvo no caso do BNDES, acaba se concentrando em empréstimos curtos e de menor risco. Por outro lado, o mercado de capitais doméstico é pouco desenvolvido, em parte devido à atratividade das alternativas de aplicação da riqueza financeira em títulos públicos de baixo risco, alta liquidez e generoso retorno.

Disto resulta uma atrofia no crédito voluntário, sobretudo para investimento, além de uma atrofia do financiamento não bancário. A primeira limitação afeta até mesmo o crédito para o investimento mais leve e a segunda, além de não contribuir para a redução do custo do crédito bancário, diminui a capacidade que as empresas nacionais têm para financiar operações vultosas, como a compra de outras empresas, que um mercado de capitais desenvolvido permite. O governo vem procurando incentivar o financiamento de longo prazo, mas as medidas já adotadas limitaram muito o incentivo e beneficiaram tão somente os bancos e os projetos de infraestrutura, quando o benefício deveria ter sido generalizado. Já poderia, por outro lado, começar a punir a rentabilidade alta associada à liquidez plena para induzir o aplicador a assumir mais riscos e ampliar os prazos de seus investimentos.


Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e consultor
do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi)