Há evidências de que a despeito de algumas conseqüências
negativas, as medidas macro-prudenciais adotadas no final de 2010,
surtiram o efeito desejado e podem servir para moderar o crédito
e evitar bolhas de consumo, contribuindo para a política
anti-inflacionária.
Recentemente,
diante da desaceleração da economia brasileira,
associada à deterioração do cenário
internacional, o Banco Central do Brasil (BCB) reverteu parcialmente
as medidas macroprudenciais adotadas no final de 2010 para conter
a expansão do crédito ao consumo, avaliada como
excessiva naquele momento. O requerimento de capital mínimo
para empréstimos ao consumo retornou para o patamar de
11% para operações de prazo máximo de 60
meses. Adicionalmente, a autoridade monetária desistiu
de elevar o percentual mínimo de pagamento das faturas
de cartão de crédito de 15% para 20%.
Para avaliar
se o aumento desse requerimento de 11% para 16,5% no final de
2010 foi eficaz em desacelerar o crédito ao consumidor,
foi calculada uma proxy da evolução do
estoque de crédito atingido por esse aumento, já
que na base de dados disponibilizada pelo BCB não há
abertura dos dados por prazo das operações (o que
impossibilita a exclusão das operações de
menor prazo de maturação ou maior valor de entrada
no caso dos veículos isentas da medida). O ritmo de crescimento
real (frente ao mesmo mês do ano anterior) desse indicador
recuou quase 10 pontos percentuais (p.p.) entre dezembro de 2010
e outubro de 2011, de 24,4% para 14,8%. Assim, em termos agregados,
não há dúvida que essa medida macroprudencial
conteve a expansão do crédito ao consumo, sem resultar
numa brusca contração.
Entre dezembro
de 2010 e outubro de 2011, as modalidades que mais contribuíram
para a perda de dinamismo do crédito foram financiamento
à aquisição de veículos e crédito
consignado, com contribuições de 30,11% e 42,81%,
respectivamente, totalizando cerca de 75%. Se considerarmos a
contribuição à desaceleração
do crédito às pessoas físicas referencial
para taxa de juros, esse percentual foi de 60%. Assim, foram exatamente
os dois principais alvos da medida (tanto em função
da sua maior participação no total, como do seu
perfil mais vulnerável em função seja do
descasamento de prazos, seja do valor das garantias) os responsáveis
pela desaceleração do crédito ao consumo.
A iniciativa
macroprudencial, contudo, teve alguns efeitos colaterais negativos.
O primeiro foi o deslocamento de parte da demanda de crédito
para as modalidades de empréstimo rotativo, com taxas de
juros extorsivas (cheque especial e cartão de crédito).O
segundo efeito negativo foi o aumento do spread e da taxa de juros
nas operações de crédito ao consumidor, que
também decorreu da elevação da alíquota
do IOF sobre essas operações em abril de 2011.
O terceiro
efeito negativo foi a elevação da inadimplência,
resultado inevitável da combinação dos dois
primeiros efeitos colaterais. Isto porque, a maior utilização
de modalidades de crédito rotativo, com taxa de juros ainda
mais extorsivas, simultaneamente à menor oferta e piora
nas condições de custo (e prazo) das demais modalidades
de crédito ao consumidor, contribuíram para deteriorar
a capacidade de pagamento dos devedores. Ademais, a partir de
junho, essa capacidade também foi afetada adversamente
pelo início da vigência do pagamento mínimo
de 15% nas faturas de cartão de crédito (anteriormente
era de 10%). Contudo, o quadro ainda não é preocupante.
A inadimplência média do crédito às
pessoas físicas (referencial para taxa de juros) avançou
1,4 p.p, de 5,7% em dezembro de 2010 para 7,1% em outubro de 2011,
patamar ainda inferior ao vigente no início de 2010 (7,2%).
Ademais, o
contexto de maior inadimplência acabou reforçando
tanto a desaceleração do crédito (e a eficácia
da medida macroprudencial), como os dois primeiros efeitos adversos,
pois aumentou a cautela dos bancos na concessão de recursos,
com impacto negativo sobre a oferta e, simultaneamente, pressionou
os spreads, desestimulando a demanda, mas, ao mesmo tempo, encarecendo
o custo das operações.
Em suma, as
medidas macroprudenciais apresentam vantagens já que auxiliam
a gestão da política monetária e potencializam
seu efeito sem ampliarem o custo da dívida pública
e o diferencial entre os juros internos e externos (e, com isso,
as pressões em prol da apreciação cambial
em momentos da abundância de recursos externos). Por outro
lado, as distorções do mercado de crédito
brasileiro (o patamar exorbitante da taxa de juros e dos spreads)
acabam reforçando os efeitos adversos dessas medidas.
Embora as
iniciativas adotadas em dezembro do ano passado tenham sido adequadas
(em função seja dos riscos de fragilidade financeira
seja da aceleração da inflação), seu
timing e velocidade, devem ser levados em conta. Na medida
em que as ações macro-prudenciais poderiam ter sido
acionadas com antecedência, envolvendo, por exemplo, um
cronograma de elevação gradual do requerimento de
capital, isto poderia ter aliviado seus efeitos adversos.
No mesmo sentido,
a retirada de estímulos também deve ocorrer no timing
adequado. Talvez já tenha chegado a hora de retirar as
demais restrições ao crédito ao consumo (nesse
sentido, o governo já reduziu a alíquota do IOF
para o financiamento de pessoas físicas) e de lançar
novas medidas de estímulo (por exemplo, a redução
dos percentuais de recolhimento compulsório), replicando
a estratégia adotada no último trimestre de 2008).