16 de novembro de 2011

Inovação
China e Brasil: A distância está na
inovação ou na industrialização?


  

 
Um trabalho ainda inédito do IEDI versando sobre as diferenças em inovação e esforço tecnológico no Brasil e na China trás uma conclusão importante: falta ao Brasil, de fato, ampliar seu esforço de inovação, mas uma diferença relevante com relação à China reside no peso da indústria no PIB. Se a indústria brasileira tivesse o mesmo peso da indústria chinesa, com a mesma intensidade do gasto em inovação que já fazemos e com a mesma estrutura que temos, o gasto em P&D da indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior do que é hoje.

Esse resultado é interessante, porque mostra que um grande diferencial da China para com o Brasil é a relevância de sua indústria para a estratégia nacional de catching-up. Não que não existam outras diferenças, mas, em termos do esforço em P&D, ¾ da diferença relativa que existe entre os dois países se explica pelo peso relativo da indústria. E é notável que, em 2008, na indústria considerada de maior intensidade tecnológica, as diferenças fossem ainda pequenas, em termos de P&D.

Outras conclusões do estudo:

O crescimento acelerado: o crescimento da China faz uma grande diferença, quando ela é comparada com qualquer outro país. Não apenas porque cria oportunidades de novos negócios, mas porque o crescimento implica em forte investimento. E é o novo investimento que difunde produtividade e abre possibilidade de incorporar novas tecnologias. O dinamismo cria outro ambiente, muda culturas e comportamentos, induz o risco, coloca a economia em contato com o mundo e premia o sucesso. O crescimento, essa é uma lição da China, faz muita diferença, se o objetivo é ter uma economia mais inovadora.

A escala da indústria e o ambiente econômico: uma segunda diferença fundamental da China é sua escala de produção industrial. Isso abre possibilidade que poucos países têm, em termos de permitir custos muito menores e operações de natureza global. Mas isto se combina com um ambiente econômico que favorece a indústria: infra-estrutura, salários, tributos e câmbio estão todos alinhados de forma a favorecer um desempenho cada vez mais competitivo da China. A segunda lição que se pode apreender da China é que a inovação é parte de uma estratégia de desenvolvimento, mas ela sozinha não pode compensar diferenciais muito grandes de competitividade. A inovação e o esforço tecnológico prosperam e podem prosperar ainda mais, se encontram um terreno sólido de competitividade. Podem ser um diferencial para o futuro, mas não são uma compensação para diferenciais sistêmico de competitividade elevados.

O planejamento, a capacidade de organização de interesses e de intervenção estatal: Um terceiro aspecto que chama muita atenção da China, comparada ao Brasil, é a natureza sistemática e continuada do planejamento chinês e a capacidade de fazer políticas efetivas de seu Estado nacional. Grande parte desta diferença, evidentemente, tem relação com a trajetória histórica dos dois países: a tradição de planos quinqüenais, o peso do setor estatal na economia, o grau de centralização das decisões, etc. Mas parte também se explica pela eficiência das medias tomadas, pela persistência e pela capacidade de tomar decisões de grande envergadura, correndo riscos de errar.

O diferencial de recursos humanos: Uma quarta enorme diferença, e que talvez seja um dos aspectos que ficará cada vez mais evidente na próxima década, é a enorme ênfase na capacitação em larga escala de recursos humanos na China, comparativamente ao Brasil. Há aqui, é claro, um diferencial de tamanho. Mas, independente do tamanho, o que chama atenção é como a China se prepara com uma velocidade espantosa, para abastecer em larga escala o mercado de trabalho com recursos humanos qualificados, notadamente em engenharia.

A inovação como estratégia e como parte da agenda de desenvolvimento: Um último aspecto merece ser enfatizado. A inovação e o desenvolvimento tecnológico são, na China, um componente de uma estratégia nacional de desenvolvimento, são parte de uma agenda econômica clara e são tratadas como tal. Isso é um grande diferencial em relação à trajetória rotineira do Brasil, em que a agenda de inovação é encarada como parte anexa de uma agenda de ciência e tecnologia, com seus interlocutores tradicionais, e não como parte da agenda de política econômica. 

 
Para compreender o desempenho recente da China na área de inovação e poder melhor compará-lo com o Brasil é necessário examinar com maior detalhe o esforço tecnológico da indústria chinesa e seus determinantes. A questão relevante é perguntar como foi possível à China realizar, em tão pouco tempo, um processo de mudança de sua estrutura produtiva em direção a setores intensivos em tecnologia, podendo assim tirar proveito da demanda internacional e reverter seu déficit comercial nestes setores. E se, de fato, essa é a diferença essencial entre a China e o Brasil.

Para 2008, ano em que se dispõe de informações mais detalhadas para as atividades de inovação industrial em ambos os países, alguns grandes números acerca do esforço em P&D da China e do Brasil permitem desenhar um quadro geral de comparação entre os dois países. Neste ano, o gasto em P&D global da China era, em relação ao PIB, 1,4 vezes o gasto do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, o gasto do setor privado já era 2,1 vezes o gasto privado no Brasil e o gasto em P&D da indústria manufatureira chinesa era 2,6 vezes maior que o mesmo tipo de gasto no Brasil. Ou seja, proporcionalmente falando, as diferenças em termos de P&D eram muito maiores entre a indústria da China e do Brasil, do que seria de esperar do esforço global, público e privado, em P&D dos dois países.

 

 
Estas informações, acrescidas da constatação de um desempenho muito favorável das exportações chinesas de bens de alta tecnologia, parecem sugerir que a China evoluiu muito mais rapidamente que o Brasil, em direção a um grande esforço tecnológico no setor industrial. Sem dúvida, este fato é parte da realidade que auxilia a explicar a trajetória chinesa. Mas há uma informação que sugere cautela nesta conclusão: o valor adicionado pela indústria era duas vezes maior na China que no Brasil, medido em relação ao PIB. Ou seja, parte da diferença se deve ao maior tamanho relativo da indústria.

Para poder ter conclusões é preciso examinar o efetivo esforço tecnológico de cada setor da indústria da China comparativamente ao Brasil. O Segundo Censo Econômico da China e a PINTEC do Brasil nos dão uma medida aproximada disso, para o ano de 2008, em função de avaliarem os gastos em P&D em relação à receita de vendas de cada setor. Os dados mostram que, de fato, em 2008, a indústria da China já era mais intensiva em P&D. Na média, o gasto em P&D foi neste ano 30% superior ao realizado no Brasil. É possível, compreendendo o que ocorre na China, estimar que esta diferença esteja se ampliando, ano a ano.

 

 
Mas curiosamente, esta não é uma diferença tão marcante como seria de se esperar. Por exemplo, se esta comparação é feita com países mais desenvolvidos, as diferenças são muitos maiores. A intensidade do esforço tecnológico da Alemanha, da Coréia e dos Estados Unidos, medidas pelo gasto em P&D em relação ao valor adicionado na indústria, eram em 2005, comparativamente ao Brasil, aproximadamente 5, 6 ou até 7 vezes maiores, nesta ordem. A diferença com a China, neste sentido, não é tão grande, embora cresça a um ritmo muito acelerado. A tomar pelos dados do gasto em P&D em 2010, de forma aproximada, na China o gasto privado depois de 2008 tem crescido em média 20% ao ano e o PIB 10% ao ano. Com isto, pode-se estimar que a intensidade do gasto privado em P&D e relação à receita da indústria tenha crescido quase 20% nestes dois anos. (Ver: National Bureau of Statistics, Communiqué on National Expenditures on Science and Technology in 2010, September, 2011.)

Cabe observar que em alguns setores a intensidade do gasto em P&D do Brasil em 2008 chegava a ser superior a da China, notadamente na indústria de petróleo, gás e biocombustíveis; mas também havia um diferencial a favor da indústria brasileira nos segmentos de material de transporte, fumo, e indústrias diversas. Diferenciais maiores em favor da indústria chinesa se notavam nos setores de: bebidas, têxteis, produtos de minerais não metálicos, siderurgia, metalurgia de metais não ferrosos e fundição e em máquinas e equipamentos. Curiosamente, nos segmentos identificados como indústria de alta tecnologia, a saber, informática, equipamento de telecomunicações, instrumentos médicos e ótica; aeronáutica e farmacêutica, as diferenças não eram relevantes, ou por vezes eram favoráveis ao Brasil, como no segmento aeronáutico.

Uma forma de se examinar estas diferenças é comprar o que chamamos aqui de efeitos estrutura, intensidade e peso. Ou seja, qual seria o esforço em P&D do Brasil se o país tivesse a estrutura industrial da China (com a mesma intensidade e peso que existem no Brasil); qual seria o esforço em P&D do Brasil se o país tivesse a mesma intensidade da China (mas com mesmo peso e estrutura do Brasil) e, por fim, qual seria o gasto em P&D se a indústria brasileira tivesse o mesmo tamanho relativo ao PIB da indústria chinesa (mas com a intensidade e gasto e a estrutura da indústria brasileira).

Os resultados mostram que os efeitos estrutura e intensidade pesam pouco: o gasto em P&D da indústria de transformação brasileira é hoje equivalente a 0,37% do PIB do Brasil; se gastasse com a mesma intensidade (setor a setor) da China, este percentual subiria para 0,43% do PIB; o efeito estrutura teria uma contribuição negativa (dada a intensidade do gasto do Brasil, setor a setor, se nossa estrutura fosse equivalente à da China, o gasto total seria menor). Combinados, intensidade e estrutura, o gasto em P&D passaria de 0,37% do PIB para 0,40%.

A diferença relevante entre a China e o Brasil era de fato o peso da indústria no PIB. Se a indústria brasileira tivesse o mesmo peso da indústria chinesa, com a mesma intensidade do gasto em inovação que já fazemos e com a mesma estrutura que temos, o gasto em P&D da indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior do que é hoje.

Esse resultado é interessante, porque mostra que um grande diferencial da China para com o Brasil é a relevância de sua indústria para a estratégia nacional de catching-up. Não que não existam outras diferenças, mas, em termos do esforço em P&D, ¾ da diferença relativa que existe entre os dois países se explica pelo peso relativo da indústria. E, como foi dito, é notável que, em 2008, na indústria considerada de maior intensidade tecnológica, as diferenças fossem ainda pequenas, em termos de P&D.

Pode-se dizer que a China tinha, até muito recentemente, uma indústria relativamente não muito diferente do Brasil, em termos de inovação e esforço interno de P&D. Seus diferenciais eram mais de custos muito mais baixos (custos de produção, em especial carga tributária, salários e logística, mas também custo de capital), escala muito maior e uma taxa de câmbio altamente favorável.

Mas o retrato que se faz da China aqui mostra que ela deve ser vista sempre como uma economia em forte velocidade de mudança. Sua indústria hoje não apenas é quase dez vezes maior que a brasileira, quando medimos o valor adicionado em termos de paridade do poder de compra, mas caminha celeremente para ser cada vez mais inovadora e tecnologicamente avançada. E caminha, porque a economia chinesa cresce a taxas elevadas e porque encontra um ambiente favorável a isto, em termos de um conjunto de políticas muito agressivas de suporte a esta trajetória.

 

 

 

 

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