O mercado consumidor doméstico de veículos e autopeças
teve excepcional crescimento no período 2005-2010. Em 2005,
o total de veículos licenciados no Brasil foi de 1,7 milhão,
chegando a 3,5 milhões em 2010. Isto é, a demanda
interna aumentou em 1,8 milhões de veículos anuais,
mais do que dobrando desde o início do período considerado.
As razões para esse desempenho são várias.
Mas, dois vetores, em especial, ajudam a explicar grande parcela
desse novo patamar. São eles: o aumento real da massa de
rendimentos e o crescimento do crédito, sobretudo para
a aquisição de bens duráveis, como os automóveis.
Como cabe notar, o mercado externo teve fraca performance para
o produto brasileiro, com o encolhimento de 30% das exportações
no mesmo período, em grande medida, devido à grande
crise internacional de 2008.
Para atender
a esse novo e dinâmico mercado interno, a oferta foi ampliada.
Sempre com base os anos de 2005 e 2010, de um lado a produção
nacional aumentou 75% e, de outro, as importações
(em número de veículos importados licenciados) tiveram
alta de 650%, saindo de 88 mil para 660 mil veículos. Com
isso, a participação dos importados no licenciamento
total, que era de apenas 5%, passou a ser de quase 19%, com tendência
de alta, pois no primeiro semestre de 2011 essa parcela já
alcançou 22,4%.
É ilustrativo
avaliar o quanto o veículo importado vem absorvendo o crescimento
do mercado interno consumidor ao longo do período. Na média
dos cinco anos do boom do mercado automobilístico brasileiro
– 2006 a 2010 -, quando o consumo interno anual de veículos
cresceu em 1,8 milhões unidades, 31,8% desse aumento foi
satisfeito pelo produto importado. Trata-se de um índice
alto, mas sua evolução nos anos do pós-crise
é muito mais impressionante. Em 2006 e em 2007, a importação
respondeu por um quarto do crescimento do mercado interno, avançando
para 28,1% no ano seguinte. Vale observar que o complemento desses
percentuais corresponde à absorção pelo produto
produzido no país, ou seja, cerca de 75% em 2006 e 2007
e 72% em 2008.
Já,
no ano de 2009, o atendimento pelo produto estrangeiro do crescimento
do mercado interno chegou a 35,4% e a 45,8% em 2010, com redução
correspondente no atendimento da demanda interna pelo produto
nacional para 65% e 54%, respectivamente, nesses dois anos. Isso
significa que, na margem, o peso do produto importado em 2010
já praticamente equivalia ao da produção
doméstica no mercado automobilístico nacional. Esses
números indicam com clareza o quanto o quadro de produção
interno versus importação está sendo alterado
no período recente. Ademais, o futuro indica que a tendência
é a de uma ainda maior penetração do produto
automobilístico estrangeiro, pois no comparativo dos seis
primeiros meses de 2011, o importado absorveu nada menos do que
68% do crescimento do mercado brasileiro, correspondendo a apenas
32% a absorção pelo veículo nacional.
A importação
traz benefícios relevantes ao consumidor porque diversifica
as opções de consumo, atua como incentivo para a
redução de preços e para a melhora da qualidade
do produto doméstico e é fator de atração
de futuros investimentos de novos fabricantes. O lado negativo
reside na velocidade do processo em que o produto do exterior
vai sobrepujando o nacional, o que é reflexo não
apenas de um contexto internacional em que o mercado brasileiro
desponta como um dos mais dinâmicos em todo o mundo –
e por isso é alvo de estratégias agressivas por
parte de empresas internacionais –, mas que espelha também
um déficit crescente de competitividade da produção
realizada no Brasil, o que precisa ser corrigido de forma urgente.
A maior penetração
do veículo e da autopeça importado no mercado brasileiro
também foi observada em outros estudos. A FIESP, por exemplo,
identificou, por meio do coeficiente de importação
(CI), que no primeiro trimestre de 2006 os veículos importados
abasteciam 7,5% do mercado, mas que passaram a representar 18,4%,
no mesmo período de 2011. A mesma dinâmica do CI
se repete nas autopeças, embora menos acentuadamente, uma
vez que saíram de 9,3% para 11,4%, em igual base de comparação.
Contrapartida
disso, a balança comercial do setor aprofunda seu déficit
anualmente. Em 2010, as importações de automóveis
e comerciais leves superaram as exportações, segundo
a ANFAVEA, em US$ 4,9 bilhões e no que se refere às
autopeças, de acordo com a ABIPEÇAS/SINDIPEÇAS,
o déficit foi de US$ 3,5 bilhões naquele mesmo ano.
Um déficit conjunto superior a US$ 8 bilhões é
o resultado.
Nesse processo,
todos os fornecedores estrangeiros ganharam, o que para eles foi
importante no contexto global em que o mercado automobilístico
no pós-crise mundial não recuperou o seu anterior
crescimento. As principais conquistas no mercado brasileiro, até
o momento, foram contabilizadas pela Argentina e pela Ásia,
sobretudo pela Coréia do Sul. A China vem tendo presença
crescente, mas ainda desponta muito mais como potencial do que
como realidade.
Reverter essa
tendência e fazer com que o desempenho do mercado interno
volte a favorecer o investimento, a produção e emprego
doméstico desta que é uma das mais longas e dinâmicas
cadeias de produção é importante como instrumento
para que a economia, a indústria e os serviços cresçam
mais no Brasil. Existem opções. Aprimorar os instrumentos
de apoio à atividade inovativa é condição
necessária para que a indústria automotiva brasileira
possa concorrer globalmente e, ao mesmo tempo, não perca
participação relativa no seu próprio mercado.
Mas há que se considerar, além disso, as assimetrias
competitivas resultantes do ambiente econômico do País
(em áreas como câmbio, tributação e
custo de capital), razão pela qual o estímulo à
inovação tecnológica dever ser ainda maior
no Brasil, quando comparado ao que fazem os concorrentes internacionais.
Para concluir,
a indústria automobilística brasileira passa por
um momento repleto de desafios, mas também com muitas oportunidades.
De fato, o mercado local é crescente. Mas, o que está
em jogo é quem irá abastecê-lo. Indubitavelmente,
essa escolha passa também pela política industrial
que vier – ou não – a ser adotada. Estimular
a inovação no setor é um caminho que pode,
de uma só vez, trazer mais competitividade tanto internamente
como abrir mercados externos aos veículos e autopeças
do País.