Mais no exterior do que dentro do Brasil, há uma apreensão
que cresceu muito nas últimas semanas de que o país
convive com uma bolha de crédito. Isso estaria alimentando,
por seu turno, um boom do consumo familiar que já
estaria com seus dias contados. Os dados que apoiariam essa conclusão
dizem respeito ao endividamento das famílias, que teria
crescido exageradamente nos últimos anos, e em uma elevação
do comprometimento da renda dos consumidores no pagamento de suas
dívidas, que já estaria alcançando, ou mesmo
já teria ultrapassado, um nível sustentável.
Em suma, a bolha de crédito, alimentou uma bolha de consumo
que já teria alcançado seu limite. Fatalmente, diante
disso, não seria sustentável o boom da
economia brasileira recente.
A tese, que
pode ter falhas em sua concepção, tem no entanto
o mérito de ressaltar os perigos do crédito farto.
É patente que o crédito para as famílias
cresceu extraordinariamente nos últimos anos. Nos financiamentos
para as famílias, a evolução é, em
média, de 18% nos últimos três anos em termos
reais, de forma que em maio último alcançavam 15,4%
do PIB (10.9% do PIB em maio de 2007). Mas, além do crescimento
vigoroso, dois outros pontos caracterizam uma bolha de crédito,
os quais não são preponderantes no ciclo atual do
crédito no país.
Primeiro,
uma típica bolha de crédito e de consumo faz do
financiamento uma variável autônoma com relação
à renda. Isso é fruto da concorrência bancária.
Significa que na medida em que o crédito evolui e amplia
o poder de compra da população, vai sendo perdida
a referência à renda que lhe devia servir de base,
de forma que passa a residir na própria disposição
das instituições de financiamento de não
interromperem a trajetória do crédito a condição
de continuidade do processo. No caso brasileiro, uma evolução
da massa real de rendimentos da população de 8%,
como nos anos do pré e do pós crise, propiciou a
ancoragem do aumento do crédito, de modo que a taxa de
inadimplência tem sido na média do corrente ano a
mais baixa jamais registrada no país, a despeito da vigorosa
ampliação dos empréstimos bancários.
Nossos cálculos indicam que o endividamento (dívida/renda
anual) das pessoas físicas passou de 21,8% para 36,6% de
dezembro de 2006 a maio de 2011, o que, no entanto, não
foi acompanhado de correspondente maior comprometimento da renda
mensal, que passou de 20,8% para 22,4% no mesmo período.
Além do maior rendimento real das pessoas, os prazos de
financiamento mais dilatados explicam a preservação
da capacidade de honrar as dívidas.
Ademais, uma
típica bolha de crédito está associada a
hiper-valorizações de ativos a exemplo das bolhas
imobiliárias e dos mercados acionários. O crédito
abundante, nesse caso, impulsiona o valor dos ativos, o que renova
e potencializa a capacidade de endividamento dos agentes, sustentando
o aumento da sua riqueza e de sua capacidade de consumo. O crédito
aqui também não pode parar porque sua sustentação
– a valorização dos ativos – cairia
junto. O Brasil assiste a um forte aumento dos preços dos
imóveis, mas não há nem sombra de uma bolha
já que o financiamento imobiliário é baixo
– representa cerca de 4% do PIB – e nele tem grande
preponderância o crédito dirigido da caderneta de
poupança. Uma mega especulação imobiliária
explica a valorização nesse setor.
O Brasil não
vive uma bolha de consumo, embora seja intenso o desenvolvimento
do crédito. Isto é uma fonte de amplificação
da capacidade de crescimento da economia, mas também uma
possível causa de problemas se os financiamentos perderem
a referência à renda pessoal. Por isso, são
importantes as medidas macroprudenciais na área do crédito.