O debate tem crescente interesse e diz respeito ao aumento que
vem ocorrendo exportações de produtos primários
e um retorno a um passado em que o Brasil ainda não tinha
empreendido sua industrialização. Levantamento do
IEDI mostra que a participação de bens industriais
no total vem declinando com grande velocidade: caiu de 80% para
59% entre o primeiro semestre de 2005 e o mesmo período
de 2011. Aos bens da agropecuária e da extrativa mineral
equivalem atualmente 41%, contra 20% em 2005. Na indústria,
nenhum segmento foi poupado, muito embora a queda proporcional
tenha sido maior em alta intensidade tecnológica (de 7%
para 3,5%) e média-alta (de 25% para 17%) e bem menos em
baixa (de 29% para 23%) e média-baixa tecnologia (de 18%
para 15%).
Seria inevitável
alguma elevação na importância relativa dos
bens primários devido a um efeito puramente de preços,
já que as cotações internacionais de alimentos,
matérias primas e petróleo subiram excepcionalmente
devido ao efeito conjunto do forte crescimento da economia chinesa
e de um importante avanço da financeirização
das commodities. Da parte de bens industriais, o período
recente não propiciou aumentos de preços em razão
do excesso de capacidade que se abriu a nível global no
período de crise e mesmo no pós crise. Por isso,
as exportações brasileiras de manufaturados deveriam
forçosamente ceder espaço para primários,
o que seria revertido em outro momento do ciclo econômico
ou financeiro com a mudança em sentido contrário
dos preços relativos. Nesse caso, as exportações
industriais serviriam de sustentação para as exportações
globais do país, compensando em alguma medida a queda das
vendas externas de produtos primários. Para que este pêndulo
opere da melhor forma possível é necessário
que o Brasil preserve uma relevante diversificação
exportadora, resista à tentação de deixar-se
levar para a especialização de sua economia em algumas
commodities e desenvolva um programa de reindustrialização.
O ponto fundamental
é que a “primarização” vem ocorrendo
não somente pela supervalorização das commodities,
mas por um colapso da capacidade brasileira de colocar sua produção
industrial em mercados externos e mesmo no mercado interno. Isto
é decorrência em parte de décadas de ausência
de políticas industriais e tecnológicas dignas desse
nome e corresponde ao descaso continuado com que as políticas
da última década e meia conduziram os temas da infraestrutura,
da reforma tributária, do custo de capital e dos encargos
sobre a folha de salários. Mas corresponde ainda ao fator
decisivo que é o câmbio. Para alguns economistas
a valorização da nossa moeda é outra consequência
do boom das commodities, o que não é verdadeiro.
As melhores condições de comercialização
dos bens primários permitem compensar apenas em uma dimensão
parcial o déficit em produtos industriais, em serviços
(por exemplo, viagens internacionais) e em rendas (especialmente,
remessa de lucros). Se os produtos primários não
exercessem esse papel, uma crise cambial aberta teria interrompido
o presente ciclo de crescimento. Mas, o resultado não é
um largo superávit em transações correntes,
o que contribuiria para valorizar o Real, mas sim um carrega um
déficit externo que gradativamente é fonte de preocupação.
No caso brasileiro,
a fonte da grande valorização de sua moeda não
reside nos fluxos de comércio, serviços e rendas.
A taxa de câmbio não é um “preço”
de simples determinação por corresponder, além
das variáveis correntes, às expectativas (vale dizer,
antecipações sobre o futuro) e aos fluxos de capitais,
os quais têm na instabilidade a sua marca registrada. O
Real se valoriza e a indústria assiste sua competitividade
desabar não porque as commodities têm bons preços,
mas porque uma taxa de juros interna fora do comum e um tímido
controle dos fluxos de capitais confirmam as apostas de valorização
em mercados futuros. Enquanto o país se negar a ter uma
estratégia de desenvolvimento que maximize todo o seu potencial,
seja na produção de bens primários, seja
na transformação e em serviços de qualidade,
e enquanto não reposicionar a taxa de câmbio, todo
o bem que uma condição internacional sui generis
para os produtos básicos poderia trazer para o crescimento
econômico será tido indevidamente como um mal.