O crescimento dívida externa brasileira no período
pós-crise é digno de registro. O tema é muito
relevante porque o endividamento em moeda estrangeira é
um destacado componente da fragilidade financeira potencial das
empresas brasileiras diante de um eventual “choque”
externo, como o Brasil vivenciou tantas vezes nas duas últimas
décadas. De fato, se é tomado o período janeiro
de 2009 a abril de 2011como correspondendo ao período pós
crise, o endividamento externo cresceu extraordinariamente. Em
valor, aumentou US$ 84,1 bilhões ou 42,4%.
Tal resultado
foi condicionado pelas captações dos bancos (+63,%)
– cuja participação no total passou de 37,4%
para 42,8% no mesmo período – e dos “Outros
setores” (51,8%), no qual se destacam as empresas não-financeiras.
Como nesses grupos predominam agentes privados, pode-se afirmar
que o endividamento externo pós-crise é um processo
intenso e virtualmente todo ele privado, sob a liderança
dos bancos. A dívida correspondente ao governo e autoridade
monetária aumentou 8,7%. Os dados acima citados não
incluem a dívida decorrente de empréstimos intercompanhias
que cresceu outros US$ 38,2 bilhões, ou 59,2%. No
total, incluindo os empréstimos intercompanhias, a dívida
externa brasileira foi ampliada no período pós crise
em US$ 122,3 bilhões ou 46,5%.
Caberia observar
que padrão semelhante foi anteriormente observado no período
pré-crise, ou seja, de 2005 a 2008. Isso equivale dizer
que o conhecido e louvado desindividamento externo brasileiro
nos anos 2000 foi um processo empreendido pelo setor público.
Este, de um lado, reduziu sua dívida interna em títulos
indexada ao câmbio e sua dívida nas modalidades de
empréstimos e, de outro, ampliou a formação
de reservas cambiais, com o efeito final de transformar uma posição
líquida altamente devedora em posição credora.
Um pronunciado endividamento externo constituía uma fonte
de crise fiscal e de dúvidas sobre a sustentabilidade do
setor público brasileiro, que foi removida com a transformação
de posição líquida devedora para credora
da dívida externa pública. Isto viria a colaborar
decisivamente para que o Brasil respondesse com muito maior solidez
ao efeito-contágio da recente crise internacional.
Do lado privado,
no entanto, as coisas se passaram de forma diferente. Primeiro,
porque, a antiga dependência do financiamento externo de
longo prazo (o BNDES representa a única fonte interna para
recursos a longo prazo) e do financiamento do comércio
exterior, foi mantida intacta. Segundo, porque no pós crise,
o endividamento do setor privado foi ainda mais incentivado já
que a liquidez internacional aumentou sobremaneira e se intensificaram
as operações de arbitragem de juros. Após
a adoção das medidas prudenciais (no final de 2010
e início de 2011), a estratégia de “arbitragem
regulatória” impulsionou ainda mais esse endividamento.
O primeiro fator é estrutural, além de ser inevitável
até que o Brasil disponha de um desenvolvido mercado de
capitais e, sendo assim, supre uma lacuna, mas o segundo, não,
devendo ser controlado, seja porque causa grande valorização
da moeda, seja porque é fonte de instabilidade futura.
A experiência
histórica mostra que os fluxos de capitais para os países
emergentes são cíclicos. Ou seja, em algum momento,
a abundância de capitais – determinada, em última
instância, por fatores externos – se reverte. O momento
da reversão e sua causa são sempre incertos, mas
suas consequências são mais do que previsíveis:
causam variações súbitas na cotação
das moedas, rápidas acelerações inflacionárias
somente controladas por elevações intensas nas taxas
de juros que precipitam, na maioria das vezes, dolorosas recessões.
No ciclo atual,
a reversão pode ser provocada por uma alta dos juros nos
EUA e/ou por um evento que eleve a aversão global ao risco,
como um agravamento da crise dos países europeus da periferia.
No caso da economia brasileira, a vulnerabilidade à reversão
dos fluxos de capitais é agravada pelo perfil do endividamento
externo, ancorado, em grande parte, em operações
de arbitragem de juros dos bancos, atraídas pelo maior
diferencial entre juros internos e externos que há em todo
o mundo.
Diante da
abundância de liquidez internacional e da característica
historicamente comprovada de instabilidade dos fluxos de capitais,
somente uma estratégia abrangente e dinâmica de gestão
desses fluxos (que envolva controles de fluxos de capitais, bem
como instrumentos de regulação financeira prudencial)
seria eficaz. Ou seja, essa gestão deveria abranger as
diversas modalidades de fluxos de capitais intrinsecamente voláteis
e estar atenta, constantemente aos mecanismos de arbitragem regulatória,
se antecipando ou reagindo prontamente às estratégias
adotadas pelos agentes para circunscrever os controles vigentes.
O Brasil corretamente
avançou na concepção de política econômica
ao aplicar relevantes medidas macroprudenciais nas áreas
do câmbio e do crédito, acompanhando, aliás,
o que outros países fazem e o que vem sendo recomendado
por agências internacionais como o FMI, mas é preciso
melhorar os mecanismos de controle da “arbitragem regulatória”.