17 de junho de 2011

Economia e Política Econômica
O novo boom da dívida externa privada


   

 
O crescimento dívida externa brasileira no período pós-crise é digno de registro. O tema é muito relevante porque o endividamento em moeda estrangeira é um destacado componente da fragilidade financeira potencial das empresas brasileiras diante de um eventual “choque” externo, como o Brasil vivenciou tantas vezes nas duas últimas décadas. De fato, se é tomado o período janeiro de 2009 a abril de 2011como correspondendo ao período pós crise, o endividamento externo cresceu extraordinariamente. Em valor, aumentou US$ 84,1 bilhões ou 42,4%.

Tal resultado foi condicionado pelas captações dos bancos (+63,%) – cuja participação no total passou de 37,4% para 42,8% no mesmo período – e dos “Outros setores” (51,8%), no qual se destacam as empresas não-financeiras. Como nesses grupos predominam agentes privados, pode-se afirmar que o endividamento externo pós-crise é um processo intenso e virtualmente todo ele privado, sob a liderança dos bancos. A dívida correspondente ao governo e autoridade monetária aumentou 8,7%. Os dados acima citados não incluem a dívida decorrente de empréstimos intercompanhias que cresceu outros US$ 38,2 bilhões, ou 59,2%. No total, incluindo os empréstimos intercompanhias, a dívida externa brasileira foi ampliada no período pós crise em US$ 122,3 bilhões ou 46,5%.

Caberia observar que padrão semelhante foi anteriormente observado no período pré-crise, ou seja, de 2005 a 2008. Isso equivale dizer que o conhecido e louvado desindividamento externo brasileiro nos anos 2000 foi um processo empreendido pelo setor público. Este, de um lado, reduziu sua dívida interna em títulos indexada ao câmbio e sua dívida nas modalidades de empréstimos e, de outro, ampliou a formação de reservas cambiais, com o efeito final de transformar uma posição líquida altamente devedora em posição credora. Um pronunciado endividamento externo constituía uma fonte de crise fiscal e de dúvidas sobre a sustentabilidade do setor público brasileiro, que foi removida com a transformação de posição líquida devedora para credora da dívida externa pública. Isto viria a colaborar decisivamente para que o Brasil respondesse com muito maior solidez ao efeito-contágio da recente crise internacional.

Do lado privado, no entanto, as coisas se passaram de forma diferente. Primeiro, porque, a antiga dependência do financiamento externo de longo prazo (o BNDES representa a única fonte interna para recursos a longo prazo) e do financiamento do comércio exterior, foi mantida intacta. Segundo, porque no pós crise, o endividamento do setor privado foi ainda mais incentivado já que a liquidez internacional aumentou sobremaneira e se intensificaram as operações de arbitragem de juros. Após a adoção das medidas prudenciais (no final de 2010 e início de 2011), a estratégia de “arbitragem regulatória” impulsionou ainda mais esse endividamento. O primeiro fator é estrutural, além de ser inevitável até que o Brasil disponha de um desenvolvido mercado de capitais e, sendo assim, supre uma lacuna, mas o segundo, não, devendo ser controlado, seja porque causa grande valorização da moeda, seja porque é fonte de instabilidade futura.

A experiência histórica mostra que os fluxos de capitais para os países emergentes são cíclicos. Ou seja, em algum momento, a abundância de capitais – determinada, em última instância, por fatores externos – se reverte. O momento da reversão e sua causa são sempre incertos, mas suas consequências são mais do que previsíveis: causam variações súbitas na cotação das moedas, rápidas acelerações inflacionárias somente controladas por elevações intensas nas taxas de juros que precipitam, na maioria das vezes, dolorosas recessões.

No ciclo atual, a reversão pode ser provocada por uma alta dos juros nos EUA e/ou por um evento que eleve a aversão global ao risco, como um agravamento da crise dos países europeus da periferia. No caso da economia brasileira, a vulnerabilidade à reversão dos fluxos de capitais é agravada pelo perfil do endividamento externo, ancorado, em grande parte, em operações de arbitragem de juros dos bancos, atraídas pelo maior diferencial entre juros internos e externos que há em todo o mundo.

Diante da abundância de liquidez internacional e da característica historicamente comprovada de instabilidade dos fluxos de capitais, somente uma estratégia abrangente e dinâmica de gestão desses fluxos (que envolva controles de fluxos de capitais, bem como instrumentos de regulação financeira prudencial) seria eficaz. Ou seja, essa gestão deveria abranger as diversas modalidades de fluxos de capitais intrinsecamente voláteis e estar atenta, constantemente aos mecanismos de arbitragem regulatória, se antecipando ou reagindo prontamente às estratégias adotadas pelos agentes para circunscrever os controles vigentes.

O Brasil corretamente avançou na concepção de política econômica ao aplicar relevantes medidas macroprudenciais nas áreas do câmbio e do crédito, acompanhando, aliás, o que outros países fazem e o que vem sendo recomendado por agências internacionais como o FMI, mas é preciso melhorar os mecanismos de controle da “arbitragem regulatória”.
 

 
 

 

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