Na oportunidade de sua visita ao IEDI em 20 de maio de 2011, foi
entregue uma Carta ao Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
na qual o Instituto aborda várias questões relevantes
para o futuro da economia brasileira, dentre elas as questões
relativas à inflação, consolidação
fiscal e desindexação. A seguir, os pontos principais
da Carta.
O IEDI em
breve estará completando 22 anos, tendo procurado sempre
apresentar para o debate na sociedade os temas considerados decisivos
para o desenvolvimento do País. Em sua maioria são
relacionados às dimensões de médio e longo
prazo da economia: educação e formação
profissional; infraestrutura; progressos da ciência e tecnologia;
inovação e produtividade industrial; política
industrial e de comércio exterior; sustentabilidade do
crescimento econômico; reforma tributária e desoneração
dos investimentos, etc.
Mas, as questões
mais propriamente da conjuntura também dizem respeito e
interessam enormemente ao meio industrial porque as decisões
de produzir, exportar/importar e investir têm estreita relação
com juros, inflação, câmbio e crédito.
O Brasil vive momentos de apreensão em razão da
maior inflação e da valorização da
nossa moeda, o que pode afetar o crescimento de curto prazo da
economia, mas não há dúvida de que o Brasil
vai resolver esses problemas já que se entende que o governo
agirá o quanto for necessário com as políticas
de que dispõe.
O tema da
valorização do Real é preocupante. Seria
esperada uma apreciação gradativa da moeda na medida
em que a economia brasileira vá evoluindo e desperte maior
atratividade. Ocorre, no entanto, que esse processo tem sido muito
mais rápido e intenso do que pode crescer a produtividade
da indústria e da agro-indústria, daí a dramática
retração da competitividade do produto nacional.
Um enorme e crescente déficit comercial de produtos industriais
constitui um primeiro sintoma desta perda de competitividade que,
de resto, é agravada pelos altos custos extra-fábrica
de se produzir no país, notadamente, nas áreas de
tributação, infra-estrutura e encargos sobre a folha
de salários.
O custo do
capital de giro no Brasil é também fator que afeta
negativamente a competitividade. Sabemos que o chamado “spread
bancário” é um tema complexo porque reflete
múltiplas determinações, mas é importante
não perder de vista a necessidade de trazer a médio
prazo o custo do crédito voluntário no País
para níveis mais próximos aos padrões internacionais,
o que requererá uma redução do spread bancário.
Momentos de
tensão econômica constituem também oportunidades
para que se avance em temas relevantes. Ou seja, mesmo um momento
de tensão como o atual, em que a inflação
parece ser demasiadamente elevada, pode trazer benefícios
relevantes ao Brasil no controle futuro de surtos de inflação.
Isso se a política econômica, além de agir
mirando o seu objetivo primordial de iniciar a convergência
tão imediata quanto possível da inflação
à sua meta, agregar ações de alcance mais
longo. Cabe observar que a curto prazo não se apresenta
de fato alternativa à política econômica,
exceto, eventualmente, prolongar ou alterar a dosagem com que
cada uma das políticas – política de juros,
política fiscal e medidas macroprudenciais – vem
sendo aplicada. Para o IEDI, em uma situação como
esta, a contribuição da política fiscal deveria
ser maior para que fossem evitados os enormes custos e distorções
decorrentes de elevações das já tão
altas taxas de juros brasileiras. Na experiência recente
dos países emergentes, a tônica da execução
das políticas tem sido a da combinação de
ações para evitar os males herdados do pós
crise de 2008, vale dizer, pressões inflacionárias
graves em função do aquecimento dessas economias
e da valorização das commodities, e apreciação
excessiva das suas moedas, exceção à moeda
chinesa, em consequência da liquidez frouxa que decorre
das políticas monetárias e de juros dos países
centrais.
No entanto,
para que futuramente tenhamos maior eficácia na utilização
dos instrumentos de combate à inflação e
para que futuramente possamos ter uma menor meta inflacionária,
o momento atual é propício para que a solução
de distorções flagrantes na economia brasileira
possa ser encaminhada.
Um exemplo
disso diz respeito ao gasto público. É de todo conveniente
que o setor público brasileiro não renuncie à
prerrogativa de utilização do instrumento fiscal
em momentos recessivos, mas consideramos que atualmente o dinamismo
próprio da economia brasileira permite que seja executado
um plano realista de delimitação do gasto corrente
do setor público como proporção do PIB nos
próximos anos até o fim do presente mandato presidencial.
A ressalva de que os gastos sociais não devem ser afetados
é importante, assim como é relevante sublinhar a
necessidade de que o investimento público seja ampliado
concomitantemente à execução do programa.
Uma consolidação
fiscal de médio prazo deveria ser um compromisso do governo
e, sendo assim, poderia beneficiar em muito o combate à
inflação presente e futuro pelo lado das expectativas,
abrindo uma avenida para que as taxas de juros recuem para níveis
mais baixos do que seria possível sem a medida. O IEDI
tem insistido nessa linha de atuação da política
econômica que, a seu ver, deveria ser complementar à
medida já anunciada pelo governo de corte do gasto público
no corrente ano de 2011.
No mesmo contexto
de iniciar desde já a promoção de medidas
para remoção de fatores que dificultam a execução
da política monetária, seria também muito
relevante um avanço na desindexação da economia
brasileira. Indexação entendida como a referência
de valores de bens e serviços ou ativos a um índice,
como um índice de preço, de forma a tornar automática
sua atualização, é um privilégio que,
entretanto, dificulta ou retarda o combate à inflação.
A indexação
pode ser justificada, se há algum motivo para a proteção
de um determinado agente ou valor específico. Pode ocorrer
também que uma determinada conjuntura leve o governo a
autorizar a indexação. Por exemplo, no ambiente
de extrema incerteza na época dos planos econômicos
entre a segunda metade dos anos 1980 e primeiros anos da década
de 1990, a indexação da dívida pública
à taxa básica de juros (taxa Selic) procurou minimizar
os impactos da aguda instabilidade da inflação e
da taxa nominal de juros sobre os detentores da dívida
pública, especialmente, bancos e instituições
financeiras. Sua permanência depois de vencido o período
de maior instabilidade financeira, a transformou, no entanto,
em mecanismo de distorção dos valores dos ativos
financeiros, o que limita o impacto das políticas de juros.
A indexação
financeira associada à liquidez desfrutada pelos títulos
públicos retarda ainda o desenvolvimento de operações
de prazo mais dilatado e das aplicações de risco,
o que dificulta o avanço do mercado de capitais brasileiro
e atrofia o financiamento voluntário de longo prazo, deixando
como alternativa de financiamento para as empresas praticamente
os recursos do BNDES. Juntamente com outras medidas que o governo
vem tomando para o incentivo do financiamento de longo prazo,
a eliminação dessa distorção por intermédio
da premiação para quem se dispõe a trocar
a indexação à taxa Selic por outra forma
superior de referência – uma “libor” brasileira,
como vem sendo cogitada – teria o grande benefício
de potencializar o desenvolvimento do mercado de capitais e reduzir
a dependência do financiamento do BNDES. Um modelo mais
adequado de financiamento por não requerer ampliação
da dívida bruta do setor público e um impulso para
a elevação da taxa de investimento na economia seriam
esperados como consequência desses desdobramentos, o que
contribuiria para minimizar as restrições de capacidade
de produção e abrir caminho para taxas de inflação
menores.
Em outro contexto,
a indexação teve associação com a
política de privatização na segunda metade
dos anos 1990. Nesse processo, aos preços e tarifas correspondentes
aos ativos privatizados foi assegurada a indexação,
em geral associada ao índice geral de preços calculado
pela FGV. Essa garantia teria servido para assegurar o êxito
dos processos de privatização, mas, prevalecendo
até os dias atuais, transmite a preços presentes
a evolução dos preços passados, dificultando
a execução de uma política de redução
da inflação. Outros preços contratuais e
reajustes de aluguéis também têm indexação
segundo o índice geral de preços. Um processo gradual
de desindexação nessa área já teve
início com a troca de indexadores de alguns serviços
públicos do IGP para o IPCA, mas o governo poderia estudar
a execução de um programa mais amplo para a remoção
a médio e longo prazo da referência a índices
de preços nos contratos e preços de bens e serviços
públicos.
Mais recentemente,
a introdução de uma dupla indexação
do reajuste do salário mínimo – ao IPCA e
à variação real do PIB segundo a regra que,
na prática, passou a vigorar desde 2007, trouxe inequivocamente
pontos positivos, porque dela decorreu uma valorização
expressiva no salário mínimo e consequente elevação
do poder de compra de uma expressiva parcela população
que tem elevada propensão a consumir. Isso ajudou na melhora
da distribuição da renda e na reconstituição
de um dinâmico mercado consumidor interno, além de
beneficiar direta e indiretamente populações de
praticamente todas as regiões e municípios brasileiros.
Recentemente
a política de valorização do salário
mínimo foi ampliada até 2014. Mas, o reajuste definido
a partir da variação do IPCA do ano anterior e do
crescimento cheio do PIB real de dois anos anteriores levará
a um acréscimo significativo no ano que vem, o que terá
efeitos relevantes sobre as contas da previdência social,
sobre os gastos dos municípios e sobre a folha de salários
das micro e pequenas empresas. Aqui também seria importante
acenar com uma política de longo prazo que poderia manter
a indexação dos valores do salário-mínimo
à inflação passada visando preservar seu
poder de compra, mas substituindo a indexação pelo
PIB real por um percentual fixo e declinante de ajuste adicional.
Em suma, cada
um a seu tempo e cumprindo objetivos relevantes, os mecanismos
de indexação, no entanto, foram ficando, de forma
que hoje constituem um problema cuja solução terá
que ser avaliada cedo ou tarde pelo País. Em outras palavras,
é líquido e certo que em algum momento do processo
brasileiro rumo ao desenvolvimento cada um desses esquemas de
indexação terá que ser eliminado ou adaptado
para a remoção das distorções por
eles criadas, para colocar a economia brasileira em condições
de maior correspondência com outras economias emergentes,
para que se possa almejar uma inflação menor e para
ampliar a eficácia das políticas para combater os
desequilíbrios inflacionários.