23 de maio de 2011

Política Econômica
Inflação, consolidação fiscal e indexação


   

 
Na oportunidade de sua visita ao IEDI em 20 de maio de 2011, foi entregue uma Carta ao Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, na qual o Instituto aborda várias questões relevantes para o futuro da economia brasileira, dentre elas as questões relativas à inflação, consolidação fiscal e desindexação. A seguir, os pontos principais da Carta.

O IEDI em breve estará completando 22 anos, tendo procurado sempre apresentar para o debate na sociedade os temas considerados decisivos para o desenvolvimento do País. Em sua maioria são relacionados às dimensões de médio e longo prazo da economia: educação e formação profissional; infraestrutura; progressos da ciência e tecnologia; inovação e produtividade industrial; política industrial e de comércio exterior; sustentabilidade do crescimento econômico; reforma tributária e desoneração dos investimentos, etc.

Mas, as questões mais propriamente da conjuntura também dizem respeito e interessam enormemente ao meio industrial porque as decisões de produzir, exportar/importar e investir têm estreita relação com juros, inflação, câmbio e crédito. O Brasil vive momentos de apreensão em razão da maior inflação e da valorização da nossa moeda, o que pode afetar o crescimento de curto prazo da economia, mas não há dúvida de que o Brasil vai resolver esses problemas já que se entende que o governo agirá o quanto for necessário com as políticas de que dispõe.

O tema da valorização do Real é preocupante. Seria esperada uma apreciação gradativa da moeda na medida em que a economia brasileira vá evoluindo e desperte maior atratividade. Ocorre, no entanto, que esse processo tem sido muito mais rápido e intenso do que pode crescer a produtividade da indústria e da agro-indústria, daí a dramática retração da competitividade do produto nacional. Um enorme e crescente déficit comercial de produtos industriais constitui um primeiro sintoma desta perda de competitividade que, de resto, é agravada pelos altos custos extra-fábrica de se produzir no país, notadamente, nas áreas de tributação, infra-estrutura e encargos sobre a folha de salários.

O custo do capital de giro no Brasil é também fator que afeta negativamente a competitividade. Sabemos que o chamado “spread bancário” é um tema complexo porque reflete múltiplas determinações, mas é importante não perder de vista a necessidade de trazer a médio prazo o custo do crédito voluntário no País para níveis mais próximos aos padrões internacionais, o que requererá uma redução do spread bancário.

Momentos de tensão econômica constituem também oportunidades para que se avance em temas relevantes. Ou seja, mesmo um momento de tensão como o atual, em que a inflação parece ser demasiadamente elevada, pode trazer benefícios relevantes ao Brasil no controle futuro de surtos de inflação. Isso se a política econômica, além de agir mirando o seu objetivo primordial de iniciar a convergência tão imediata quanto possível da inflação à sua meta, agregar ações de alcance mais longo. Cabe observar que a curto prazo não se apresenta de fato alternativa à política econômica, exceto, eventualmente, prolongar ou alterar a dosagem com que cada uma das políticas – política de juros, política fiscal e medidas macroprudenciais – vem sendo aplicada. Para o IEDI, em uma situação como esta, a contribuição da política fiscal deveria ser maior para que fossem evitados os enormes custos e distorções decorrentes de elevações das já tão altas taxas de juros brasileiras. Na experiência recente dos países emergentes, a tônica da execução das políticas tem sido a da combinação de ações para evitar os males herdados do pós crise de 2008, vale dizer, pressões inflacionárias graves em função do aquecimento dessas economias e da valorização das commodities, e apreciação excessiva das suas moedas, exceção à moeda chinesa, em consequência da liquidez frouxa que decorre das políticas monetárias e de juros dos países centrais.

No entanto, para que futuramente tenhamos maior eficácia na utilização dos instrumentos de combate à inflação e para que futuramente possamos ter uma menor meta inflacionária, o momento atual é propício para que a solução de distorções flagrantes na economia brasileira possa ser encaminhada.

Um exemplo disso diz respeito ao gasto público. É de todo conveniente que o setor público brasileiro não renuncie à prerrogativa de utilização do instrumento fiscal em momentos recessivos, mas consideramos que atualmente o dinamismo próprio da economia brasileira permite que seja executado um plano realista de delimitação do gasto corrente do setor público como proporção do PIB nos próximos anos até o fim do presente mandato presidencial. A ressalva de que os gastos sociais não devem ser afetados é importante, assim como é relevante sublinhar a necessidade de que o investimento público seja ampliado concomitantemente à execução do programa.

Uma consolidação fiscal de médio prazo deveria ser um compromisso do governo e, sendo assim, poderia beneficiar em muito o combate à inflação presente e futuro pelo lado das expectativas, abrindo uma avenida para que as taxas de juros recuem para níveis mais baixos do que seria possível sem a medida. O IEDI tem insistido nessa linha de atuação da política econômica que, a seu ver, deveria ser complementar à medida já anunciada pelo governo de corte do gasto público no corrente ano de 2011.

No mesmo contexto de iniciar desde já a promoção de medidas para remoção de fatores que dificultam a execução da política monetária, seria também muito relevante um avanço na desindexação da economia brasileira. Indexação entendida como a referência de valores de bens e serviços ou ativos a um índice, como um índice de preço, de forma a tornar automática sua atualização, é um privilégio que, entretanto, dificulta ou retarda o combate à inflação.

A indexação pode ser justificada, se há algum motivo para a proteção de um determinado agente ou valor específico. Pode ocorrer também que uma determinada conjuntura leve o governo a autorizar a indexação. Por exemplo, no ambiente de extrema incerteza na época dos planos econômicos entre a segunda metade dos anos 1980 e primeiros anos da década de 1990, a indexação da dívida pública à taxa básica de juros (taxa Selic) procurou minimizar os impactos da aguda instabilidade da inflação e da taxa nominal de juros sobre os detentores da dívida pública, especialmente, bancos e instituições financeiras. Sua permanência depois de vencido o período de maior instabilidade financeira, a transformou, no entanto, em mecanismo de distorção dos valores dos ativos financeiros, o que limita o impacto das políticas de juros.

A indexação financeira associada à liquidez desfrutada pelos títulos públicos retarda ainda o desenvolvimento de operações de prazo mais dilatado e das aplicações de risco, o que dificulta o avanço do mercado de capitais brasileiro e atrofia o financiamento voluntário de longo prazo, deixando como alternativa de financiamento para as empresas praticamente os recursos do BNDES. Juntamente com outras medidas que o governo vem tomando para o incentivo do financiamento de longo prazo, a eliminação dessa distorção por intermédio da premiação para quem se dispõe a trocar a indexação à taxa Selic por outra forma superior de referência – uma “libor” brasileira, como vem sendo cogitada – teria o grande benefício de potencializar o desenvolvimento do mercado de capitais e reduzir a dependência do financiamento do BNDES. Um modelo mais adequado de financiamento por não requerer ampliação da dívida bruta do setor público e um impulso para a elevação da taxa de investimento na economia seriam esperados como consequência desses desdobramentos, o que contribuiria para minimizar as restrições de capacidade de produção e abrir caminho para taxas de inflação menores.

Em outro contexto, a indexação teve associação com a política de privatização na segunda metade dos anos 1990. Nesse processo, aos preços e tarifas correspondentes aos ativos privatizados foi assegurada a indexação, em geral associada ao índice geral de preços calculado pela FGV. Essa garantia teria servido para assegurar o êxito dos processos de privatização, mas, prevalecendo até os dias atuais, transmite a preços presentes a evolução dos preços passados, dificultando a execução de uma política de redução da inflação. Outros preços contratuais e reajustes de aluguéis também têm indexação segundo o índice geral de preços. Um processo gradual de desindexação nessa área já teve início com a troca de indexadores de alguns serviços públicos do IGP para o IPCA, mas o governo poderia estudar a execução de um programa mais amplo para a remoção a médio e longo prazo da referência a índices de preços nos contratos e preços de bens e serviços públicos.

Mais recentemente, a introdução de uma dupla indexação do reajuste do salário mínimo – ao IPCA e à variação real do PIB segundo a regra que, na prática, passou a vigorar desde 2007, trouxe inequivocamente pontos positivos, porque dela decorreu uma valorização expressiva no salário mínimo e consequente elevação do poder de compra de uma expressiva parcela população que tem elevada propensão a consumir. Isso ajudou na melhora da distribuição da renda e na reconstituição de um dinâmico mercado consumidor interno, além de beneficiar direta e indiretamente populações de praticamente todas as regiões e municípios brasileiros.

Recentemente a política de valorização do salário mínimo foi ampliada até 2014. Mas, o reajuste definido a partir da variação do IPCA do ano anterior e do crescimento cheio do PIB real de dois anos anteriores levará a um acréscimo significativo no ano que vem, o que terá efeitos relevantes sobre as contas da previdência social, sobre os gastos dos municípios e sobre a folha de salários das micro e pequenas empresas. Aqui também seria importante acenar com uma política de longo prazo que poderia manter a indexação dos valores do salário-mínimo à inflação passada visando preservar seu poder de compra, mas substituindo a indexação pelo PIB real por um percentual fixo e declinante de ajuste adicional.

Em suma, cada um a seu tempo e cumprindo objetivos relevantes, os mecanismos de indexação, no entanto, foram ficando, de forma que hoje constituem um problema cuja solução terá que ser avaliada cedo ou tarde pelo País. Em outras palavras, é líquido e certo que em algum momento do processo brasileiro rumo ao desenvolvimento cada um desses esquemas de indexação terá que ser eliminado ou adaptado para a remoção das distorções por eles criadas, para colocar a economia brasileira em condições de maior correspondência com outras economias emergentes, para que se possa almejar uma inflação menor e para ampliar a eficácia das políticas para combater os desequilíbrios inflacionários.
 

 

 

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