29 de abril de 2011

Política Econômica
Brasil e outros países:
políticas para conter a valorização cambial


   

 
Um dos desdobramentos da crise financeira e econômica global foi o acirramento da concorrência no mercado mundial de bens manufaturados. Desde 2009, vários países avançados e emergentes têm perseguido a estratégia de estimular suas economias mediante o crescimento das exportações desses bens, recorrendo, para tanto, a desvalorizações competitivas. Esse cenário coloca grandes desafios para a indústria brasileira, que, além de se deparar com dificuldades de expandir suas vendas externas, tem enfrentado uma forte concorrência de produtos importados ao longo de toda a cadeia produtiva.

O Brasil tem sido um dos destinos mais cobiçados pelas empresas industriais do resto do mundo, não somente em função do seu amplo mercado doméstico e da rápida e bem sucedida superação do efeito-contágio da crise financeira e econômica global, mas também da significativa apreciação real da moeda brasileira no período em tela; ou seja, o preço relativo dos bens externos em relação aos internos diminuiu, reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no país e no exterior.

A partir do final de 2009, o manejo dos instrumentos convencionais de política cambial e monetária revelou-se insuficiente para neutralizar os desequilíbrios decorrentes do excesso de liquidez no mercado de câmbio em vários países emergentes. Ademais, algumas economias passaram a enfrentar uma situação de sobreaquecimento decorrente da saída bem sucedida da crise, bem como da própria abundância de moeda estrangeira, devido seja ao relaxamento da restrição externa, seja ao efeito-renda positivo da apreciação cambial e/ou ao fomento da expansão creditícia e da inflação de ativos. O contexto de forte redução das margens de capacidade ociosa e demanda aquecida somado à alta dos preços das commodities teve como contrapartida, por sua vez, a aceleração da inflação em várias economias emergentes.

Nesse contexto, a resposta convencional seria a adoção de uma política monetária restritiva (combinada com uma política fiscal anticíclica) para desacelerar o crescimento e conter as pressões inflacionárias. Todavia, a elevação da taxa de juros básica estimularia ainda mais o ingresso de capitais, o qual, por sua vez, acentuaria o desalinhamento cambial e/ou pressionaria ainda mais as contas públicas e/ou alimentaria o boom de crédito e de preços dos ativos. Para atingir os múltiplos objetivos de política, as autoridades econômicas de vários países emergentes, além de acionar instrumentos convencionais de política macroeconômica (alta da taxa de juros e, em alguns casos, medidas de redução dos gastos públicos) para desaquecer a economia e controlar a inflação, adotaram medidas de âmbito regulatório, seja de gestão dos fluxos de capitais, seja de regulação financeira prudencial. O FMI vem recomendando essas medidas, mas sugere que os países devam recorrer aos mecanismos regulatórios somente após esgotarem as opções de política macroeconômicas. Ademais, esses instrumentos devem ser adotados, idealmente, na seguinte ordem: em primeiro lugar, medidas de regulação prudencial e, se essas forem insuficientes, controles de capitais.

Coincidentemente, o governo brasileiro seguiu, em linhas gerais, essa sequência, mas talvez o timing da implementação das medidas pode não ter sido de todo adequado. Entre o segundo trimestre de 2009 e o terceiro trimestre de 2010, os mecanismos de absorção do excesso de liquidez no mercado de câmbio foram a apreciação cambial e o acúmulo de reservas internacionais. Nesse período, o único mecanismo de gestão dos fluxos de capitais adotado foi a imposição do IOF de 2% sobre os investimentos de portfólio em renda fixa no país. Somente a partir do último trimestre de 2010, quando a moeda doméstica já se encontrava num patamar sobrevalorizado, os demais instrumentos de política (gestão dos fluxos de capitais e regulação prudencial) foram acionados.

Algumas especificidades da economia brasileira reforçam os desafios colocados pelo ambiente internacional de excesso de liquidez internacional e alta de preços das commodities: o elevadíssimo patamar da taxa de juros básica (que resulta no maior diferencial de juros do mundo), a existência de mercados financeiros profundos e líquidos, e; o elevado grau de abertura financeira que garante o livre acesso dos investidores estrangeiros ao mercado doméstico de derivativos cambiais. Sua interação torna os ativos financeiros vinculados ao real o destino privilegiado das operações de carry trade vinculadas a diversas modalidades de fluxos de capitais, bem como às apostas de apreciação cambial nos mercados de derivativos. Nesse contexto, além de insuficientes, os instrumentos convencionais de gestão macroeconômica têm sua eficácia ainda mais comprometida.

O conjunto de iniciativas adotadas até o momento conseguiu reduzir o ritmo de apreciação cambial até o final de março. Em abril, contudo, a taxa de câmbio nominal rompeu a barreira de R$/US$ 1,60, patamar que já inviabilizava a produção em vários setores manufatureiros voltados para a exportação ou para o mercado interno (como evidencia o déficit de US$ 10 bilhões da indústria de transformação no primeiro trimestre de 2011). Se o contexto internacional não sofrer mudanças nos próximos meses, somente iniciativas mais ousadas de gestão de fluxos de capitais e regulação podem deter o processo de apreciação do real e seus efeitos adversos sobre a competitividade da indústria brasileira. Simultaneamente, é preciso avançar nos demais fronts para ampliar essa competitividade, dentre os quais redução da carga tributária sobre as exportações, aperfeiçoamento dos instrumentos de política industrial, incentivos à inovação e desenvolvimento de fontes de financiamento de longo prazo em condições de prazo e custo favoráveis.

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