Um dos desdobramentos da crise financeira e econômica global
foi o acirramento da concorrência no mercado mundial de
bens manufaturados. Desde 2009, vários países avançados
e emergentes têm perseguido a estratégia de estimular
suas economias mediante o crescimento das exportações
desses bens, recorrendo, para tanto, a desvalorizações
competitivas. Esse cenário coloca grandes desafios para
a indústria brasileira, que, além de se deparar
com dificuldades de expandir suas vendas externas, tem enfrentado
uma forte concorrência de produtos importados ao longo de
toda a cadeia produtiva.
O Brasil tem
sido um dos destinos mais cobiçados pelas empresas industriais
do resto do mundo, não somente em função
do seu amplo mercado doméstico e da rápida e bem
sucedida superação do efeito-contágio da
crise financeira e econômica global, mas também da
significativa apreciação real da moeda brasileira
no período em tela; ou seja, o preço relativo dos
bens externos em relação aos internos diminuiu,
reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no país
e no exterior.
A partir do
final de 2009, o manejo dos instrumentos convencionais de política
cambial e monetária revelou-se insuficiente para neutralizar
os desequilíbrios decorrentes do excesso de liquidez no
mercado de câmbio em vários países emergentes.
Ademais, algumas economias passaram a enfrentar uma situação
de sobreaquecimento decorrente da saída bem sucedida da
crise, bem como da própria abundância de moeda estrangeira,
devido seja ao relaxamento da restrição externa,
seja ao efeito-renda positivo da apreciação cambial
e/ou ao fomento da expansão creditícia e da inflação
de ativos. O contexto de forte redução das margens
de capacidade ociosa e demanda aquecida somado à alta dos
preços das commodities teve como contrapartida, por sua
vez, a aceleração da inflação em várias
economias emergentes.
Nesse contexto,
a resposta convencional seria a adoção de uma política
monetária restritiva (combinada com uma política
fiscal anticíclica) para desacelerar o crescimento e conter
as pressões inflacionárias. Todavia, a elevação
da taxa de juros básica estimularia ainda mais o ingresso
de capitais, o qual, por sua vez, acentuaria o desalinhamento
cambial e/ou pressionaria ainda mais as contas públicas
e/ou alimentaria o boom de crédito e de preços
dos ativos. Para atingir os múltiplos objetivos de política,
as autoridades econômicas de vários países
emergentes, além de acionar instrumentos convencionais
de política macroeconômica (alta da taxa de juros
e, em alguns casos, medidas de redução dos gastos
públicos) para desaquecer a economia e controlar a inflação,
adotaram medidas de âmbito regulatório, seja de gestão
dos fluxos de capitais, seja de regulação financeira
prudencial. O FMI vem recomendando essas medidas, mas sugere que
os países devam recorrer aos mecanismos regulatórios
somente após esgotarem as opções de política
macroeconômicas. Ademais, esses instrumentos devem ser adotados,
idealmente, na seguinte ordem: em primeiro lugar, medidas de regulação
prudencial e, se essas forem insuficientes, controles de capitais.
Coincidentemente,
o governo brasileiro seguiu, em linhas gerais, essa sequência,
mas talvez o timing da implementação das
medidas pode não ter sido de todo adequado. Entre o segundo
trimestre de 2009 e o terceiro trimestre de 2010, os mecanismos
de absorção do excesso de liquidez no mercado de
câmbio foram a apreciação cambial e o acúmulo
de reservas internacionais. Nesse período, o único
mecanismo de gestão dos fluxos de capitais adotado foi
a imposição do IOF de 2% sobre os investimentos
de portfólio em renda fixa no país. Somente a partir
do último trimestre de 2010, quando a moeda doméstica
já se encontrava num patamar sobrevalorizado, os demais
instrumentos de política (gestão dos fluxos de capitais
e regulação prudencial) foram acionados.
Algumas especificidades
da economia brasileira reforçam os desafios colocados pelo
ambiente internacional de excesso de liquidez internacional e
alta de preços das commodities: o elevadíssimo patamar
da taxa de juros básica (que resulta no maior diferencial
de juros do mundo), a existência de mercados financeiros
profundos e líquidos, e; o elevado grau de abertura financeira
que garante o livre acesso dos investidores estrangeiros ao mercado
doméstico de derivativos cambiais. Sua interação
torna os ativos financeiros vinculados ao real o destino privilegiado
das operações de carry trade vinculadas
a diversas modalidades de fluxos de capitais, bem como às
apostas de apreciação cambial nos mercados de derivativos.
Nesse contexto, além de insuficientes, os instrumentos
convencionais de gestão macroeconômica têm
sua eficácia ainda mais comprometida.
O conjunto
de iniciativas adotadas até o momento conseguiu reduzir
o ritmo de apreciação cambial até o final
de março. Em abril, contudo, a taxa de câmbio nominal
rompeu a barreira de R$/US$ 1,60, patamar que já inviabilizava
a produção em vários setores manufatureiros
voltados para a exportação ou para o mercado interno
(como evidencia o déficit de US$ 10 bilhões da indústria
de transformação no primeiro trimestre de 2011).
Se o contexto internacional não sofrer mudanças
nos próximos meses, somente iniciativas mais ousadas de
gestão de fluxos de capitais e regulação
podem deter o processo de apreciação do real e seus
efeitos adversos sobre a competitividade da indústria brasileira.
Simultaneamente, é preciso avançar nos demais fronts
para ampliar essa competitividade, dentre os quais redução
da carga tributária sobre as exportações,
aperfeiçoamento dos instrumentos de política industrial,
incentivos à inovação e desenvolvimento de
fontes de financiamento de longo prazo em condições
de prazo e custo favoráveis.
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