Política industrial significa desvirtuar a alocação
eficiente dos mercados? Política industrial significa escolher
erradamente empresas campeãs ou setores campeões?
Política industrial implica mau uso dos recursos públicos?
Política industrial é algo do passado, portanto
anacrônico? Ou política industrial não tem
lugar nem mesmo no passado, já que nunca teve êxito?
Esta Análise
traz excertos de estudo que o IEDI estará divulgando, o
qual apresenta as diferentes formas de política industrial
que importantes países avançados (Alemanha, França,
Reino Unido, Estados Unidos e Japão) utilizaram e utilizam
atualmente. Vale registrar que, posteriormente, outro estudo será
publicado sobre as políticas industriais em economias emergentes,
no caso, Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul. Esses textos fazem parte de um estudo maior sobre a atualidade
da política industrial no mundo e a relevância da
indústria como promotora do desenvolvimento.
Primeiramente,
cabe mencionar o debate online sobre política
industrial realizado em meados de julho de 2010 pela revista The
Economist. O que motivou a realização deste debate
foi a constatação efetuada pelo semanário
inglês de que a crise econômica global de 2008-09
favoreceu o retorno da política industrial, fazendo reviver
o desejo dos políticos pela identificação
e promoção dos campeões nacionais no setor
privado. A revista propôs ao público e a dois especialistas
convidados a seguinte moção: “The Economist
acredita que a política industrial sempre fracassa”.
A defesa do ponto de vista da Casa ficou a cargo do professor
Josh Lerner, da Harvard Business School, enquanto a contraposição
foi assumida pelo professor Dani Rodrik, da JFK School of Government,
também da Universidade de Harvard.
A concepção
teórica crítica em relação à
política industrial, sustentada pelo professor Lerner,
considera as políticas públicas discricionárias
como resultado de um trade-off entre falhas de mercado
e falhas de governo. Assim, a sua utilização só
se justificaria naqueles casos em que o governo pode fazer melhor
do que o mercado para que um determinado objetivo possa ser alcançado.
As falhas de mercado estão relacionadas à existência
de informação imperfeita, de externalidades negativas
e de poder de mercado, enquanto as falhas de governo estão
relacionadas à existência de conflitos entre as políticas
governamentais, defesa pelas autoridades e funcionários
dos próprios interesses (corrupção, pressão
e captura do governo por grupos de interesse e desejo de vencer
a eleição, etc.), e também de informação
imperfeita (agentes governamentais não possuem informação
mais completa e melhor do que os agentes privados). Ao fazer uso
da política industrial para superar falhas de mercado que
acarretam decisões empresariais sub-ótimas, os governos
podem induzir a resultados ainda piores que os mecanismos de mercado.
De acordo
com Lerner, as falhas do governo são de tal ordem que mesmo
a intervenção estatal em setores e indústrias
de tecnologias emergentes, que em termos abstratos poderia ser
justificável, não é eficaz em promover, no
mundo real, resultados superiores do que os alcançados
pelos agentes privados. Como exemplo de experiências fracassadas
de política governamental de suporte de indústrias
emergentes, menciona os casos da Dinamarca, França, Reino
Unido, Estados Unidos, Austrália e Malásia.
Em sua avaliação,
os programas governamentais sempre (ou quase sempre) fracassam
por duas razões principais. Em primeiro lugar, as autoridades
governamentais não compreendem a natureza básica
do processo empresarial e alocam recursos de maneira errada ou
contraproducente. Em segundo lugar, os esforços do governo
podem ser capturados por agentes e/ou entidades do setor privado,
que, em busca dos seus próprios interesses, e não
o bem-estar geral, se organizam e se aliam com participantes do
governo para conquistar e manter subsídios e vantagens
diretas e indiretas.
Conhecido
defensor da atuação do Estado em prol do desenvolvimento
econômico, Dani Rodrik iniciou sua participação
no debate recorrendo à obra de autoria do seu oponente
Josh Lerner, Boulevard of broken dreams, publicada em
2009, na qual o seu oponente no debate ressalta a importância
das encomendas realizadas pelo Departamento de Defesa para o progresso
tecnológico dos Estados Unidos e, sobretudo, para o crescimento
do Vale do Silício, e de outros programas públicos
em mercados de negócios novos em várias partes do
mundo, como Tel-Aviv e Cingapura. Sem negar a existência
de várias experiências sem sucesso que resultaram
em “elefantes brancos” e em desperdícios de
recursos públicos, Rodrik afirma que inúmeros outros
exemplos bem-sucedidos da política de promoção
de indústrias novas podem ser acrescentados à lista
de Lerner, caso da siderúrgica POSCO na Coreia do Sul,
da indústria do salmão no Chile, da indústria
aeronáutica no Brasil, da indústria eletrônica
em Cingapura e Taiwan e das indústrias automobilística
e de autopeças na China. Todos esses empreendimentos foram
financiados com recursos públicos e algumas dessas iniciativas,
quando lançadas, foram ridicularizadas e consideradas antieconômicas.
A argumentação
de Rodrik convenceu a maioria dos leitores que acompanharam o
debate. A moção proposta pela The Economist foi
rejeitada por 72% dos leitores-votantes. Esse resultado nada tem
de surpreendente, pois são abundantes as evidências
empíricas fornecidas pela literatura econômica comparada
sobre experiências nacionais bem-sucedidas de política
industrial. É amplamente sabido que, ao longo da história,
vários países fizeram uso intenso da política
para reduzir e mesmo superar o atraso econômico em relação
ao país-líder. Estes foram, por exemplo, os casos
da Alemanha, Estados Unidos no século XIX e do Japão,
Coreia do Sul, Taiwan no século XX. Menos notório,
contudo, é o uso que os governos das economias avançadas
ainda fazem da política industrial para a manutenção
e ampliação de vantagens competitividades da indústria
doméstica frente à concorrência acirrada de
novos players nos mercados crescentemente globalizados.
Ao contrário
do que supõe a revista The Economist, não está
ocorrendo um retorno da política industrial, pela simples
razão de que tal política jamais foi abandonada
nem pelos países desenvolvidos, ainda que a expressão
tenha se tornado maldita nos círculos acadêmicos
e nos organismos internacionais. Em alguns casos, em razão
de alteração nos cenários doméstico
e internacional, houve mudança de prioridades e de estratégias
e mesmo de filosofia, mas em nenhuma das principais nações
desenvolvidas, o uso da política industrial foi descontinuado.
Igualmente, não obstante as recomendações
do Consenso de Washington para o mundo em desenvolvimento, vários
países, sobretudo na Ásia, mantiveram suas estratégias
de promoção do desenvolvimento nacional, nas quais
a política industrial foi (e continua sendo) peça-chave.
A importância
da política industrial foi ressaltada por Cimoli, Dosi,
Nelson e Stiglitz em uma obra recente. Rejeitando a noção
de falha de mercado, que tem como referência um padrão
ótimo raramente existente em qualquer mercado, os autores
ressaltam que, desde a origem do capitalismo moderno até
os dias atuais, as instituições são parte
integrantes em todos os processos de aprendizado tecnológico
e de coordenação e mudança econômica.
Isto porque, em ambientes que possibilitem a experimentação
de novos produtos, de novas técnicas de produção
e de novas formas de organização, as “interações
econômicas se encontram ancoradas em uma rica malha de instituições
não-mercado”. Mercados e instituições
não-mercado são complementares. No processo dinâmico
do desenvolvimento econômico, novos desafios emergem continuamente,
sobretudo no que se refere aos avanços tecnológicos,
exigindo dos governos uma atuação ativa na adoção
de políticas públicas discricionárias.
Para os autores,
a política industrial tem um sentido amplo, que inclui
desde medidas de suporte de vários tipos às indústrias
nascentes a políticas comerciais, políticas de ciência
e tecnologia, políticas de competitividade setorial, encomendas
públicas e políticas que afetam os investimentos
diretos estrangeiros e alocação de recursos financeiros,
políticas de concorrência, entre outros. Junto com
processos de "engenharia institucional" para moldar
a natureza dos agentes econômicos, dos mecanismos de mercado
e das regras em que operam e as fronteiras entre o que é
regido por interações de mercado e o que não
é, a política industrial é componente indispensável
do desenvolvimento econômico de um país.