31 de março de 2011

Indústria
O risco de privilegiar o presente
em detrimento do futuro


  

 
A indústria nacional passa por um momento muito delicado, o qual transparece na sua perda de competitividade. Os fatores que determinam essa perda de competitividade já são bem conhecidos – carências de infraestrutura, elevada carga tributária, escassas fontes de financiamento de longo prazo, câmbio valorizado, etc. Por causa desses fatores, o custo de se produzir no Brasil tornou-se muito alto. O parque industrial brasileiro é o décimo maior do mundo, o que significa que o País tem uma indústria estruturada, diversificada e dinâmica. Isso não é pouca coisa e não pode ser ignorado e muito menos desperdiçado, ou ainda, não se deve deixar a indústria brasileira se “desmanchar”, já que ela é o motor do crescimento econômico.

Existem bons diagnósticos sobre os fatores que minam a competitividade da indústria nacional e muitas iniciativas e propostas para contorná-los. No entanto, essas iniciativas e propostas tentam mais remediar os problemas do setor do que transformar a indústria do País. Não se deve, evidentemente, desqualificar tais iniciativas. Pelo contrário, elas podem ser consideradas o substrato de qualquer política mais abrangente de transformação do setor industrial. Em outras palavras, há muito boas iniciativas e propostas para dirimir as fragilidades que a indústria nacional apresenta hoje, mas elas preveem, em geral, medidas pontuais e/ou pouco articuladas. Por esse motivo, corre-se o risco, no Brasil, de não se lograr sucesso não somente no fortalecimento do setor industrial, mas, sobretudo, na sua expansão e no seu “salto de qualidade”. É disto que se trata: a industrialização brasileira precisa ser aprofundada e, ao mesmo tempo, ganhar qualidade. O que precisamos é de uma política industrial moderna, mais abrangente, mais articulada, que tenha como horizonte o desenvolvimento do País.

Inicialmente, devem ser afastados os preconceitos sempre presentes quando se fala em políticas industriais. Como afirmam os eminentes economistas Cimoli e Dosi e o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz no capítulo que abre uma coletânea de artigos sobre política industrial e o desenvolvimento, já se foi o tempo em que políticas industriais eram tidas como “... palavrões (bad words) que não deveriam ser pronunciados em lugares públicos ou privados por pessoas respeitáveis”. O entendimento é bem outro: as políticas industriais são “... ingredientes intrínsecos fundamentais de todo processo de desenvolvimento” (The political economy of capabilities accumulation: the past and future of policies for industrial development, Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz, in: Industrial Policy and Development, The Political Economy of Capabilities Accumulation, Edited by Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz. Oxford University Press, 2009. Tradução livre).

Políticas industriais são praticadas por muitos países, em todos os continentes, há muitos anos. No Brasil, a política industrial – enquanto ações coordenadas e destinadas a promover a competitividade, o fortalecimento e a diversificação industrial – inexistiu nos anos 1980 e 1990. Somente em 2003, no primeiro ano do primeiro mandato do presidente Lula, a política industrial começaria a renascer no País com a formulação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE).

No entanto, a política industrial somente ganhou nova estatura com o lançamento, em maio de 2008, da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) – portanto, no segundo mandato do presidente Lula. A PDP pode ser considerada um novo marco na política industrial brasileira, não só por ela resgatar um programa mais abrangente de promoção da indústria nacional, mas também porque tal programa se harmoniza, em grande parte, com o conceito mais atual de política industrial.

O balanço da PDP no período 2008-2010 pode ser considerado positivo. De acordo com os vários relatórios disponíveis para consulta pública no Portal da PDP, das 425 medidas de política propostas pela Política (29% relacionadas a financiamento, 31% a assistência técnica e informações, 26% a medidas fiscais, 8% a regulamentação e 6% a comércio internacional), praticamente todas elas (99%) foram postas em pleno funcionamento (41% dessas estavam relacionadas à meta de investimento; 29% às exportações; 20% à inovação e 10% ao desenvolvimento da MPEs).

No entanto, devido à crise internacional que eclodiu em 2008 e se arrastou por boa parte de 2009 e também à forte valorização do real nos últimos anos, três das quatro macrometas estabelecidas pela PDP para o período 2008-2010 não atingiram seus objetivos. A participação do P&D empresarial em relação ao PIB, cuja meta prevista era de 0,65%, alcançou somente a marca de 0,59% em 2010 (partindo de uma base de 0,51%). O número de MPEs no total de empresas exportadoras, cuja meta era aumentar em 10% em 2010 com relação a 2006, caiu 16%. A participação da Formação Bruta de Capital Fixo no PIB, cuja meta era sair dos 17,4% em 2007 para 21,0% em 2010, deve ficar em torno de 19,0%.

Somente a meta relacionada às exportações foi atingida: previa-se que as exportações brasileiras chegassem, em 2010, a uma participação de 1,25% das exportações mundiais, e o resultado provável é que atinjam um valor de 1,35% – porém, o êxito aqui deveu-se mais pelo fraco desempenho das exportações mundiais nos últimos anos e menos pelas medidas ligadas à PDP – além do que, vale dizer, o valor das exportações do Brasil foi substancialmente beneficiado pelo maior aumento dos preços das commodities, sejam agropecuárias ou da extrativa mineral, relativamente aos preços dos bens manufaturados.

Como dito acima, a PDP avançou muito em termos de política industrial moderna, seja no estabelecimento de metas e na explicitação das ações para sua execução, seja na elaboração de seus instrumentos e de sua governança, ou mesmo na identificação das suas fontes de financiamento e dos setores estratégicos para o desenvolvimento de atividades indutoras de mudança tecnológica e de difusão da inovação. Agora, diante das grandes transformações econômicas e sociais pelas quais o mundo passa, que reforçam o imperativo da concorrência, abre-se um novo ciclo para a política industrial no Brasil. Mas, isso não significa que ela deva mudar de rumos ou passar por revista circunstanciada. Pelo contrário. Os primeiros esforços devem ser direcionados para garantir que a política industrial se consolide como um instrumento permanente e qualificado para a promoção da competitividade da indústria nacional e do desenvolvimento do País.

Toda política industrial é passível, evidentemente, de ser aperfeiçoada. Essa é, em verdade, uma necessidade sua, já que seu objeto de interesse e atuação – o sistema produtivo industrial – é de natureza dinâmica. A política industrial brasileira deve seguir sempre pelo caminho do aprimoramento. O seu êxito estará em ser ao mesmo tempo ambiciosa (na qualidade de instrumento do desenvolvimento) e comedida (por zelar pela alocação eficiente dos recursos, reconhecidamente, escassos).

A PDP pode ser reforçada ou aprimorada em muitos dos seus pontos. Em primeiro lugar, caberia valorizar mais as cadeias produtivas que agregam maior valor, que são mais intensivas em tecnologia e difusoras de inovação. Uma política mais ambiciosa de formação de recursos humanos também merece maior atenção da política industrial, o que poderia ser estimulado pela aproximação do Ministério de Educação, das instituições já existentes de fomento à pesquisa e aperfeiçoamento de pessoas e das demandas das empresas.

Um ponto crucial é reforçar e ampliar as medidas e ações para área de exportação, sobretudo no que diz respeito ao segmento exportador de manufaturas. A PDP não reúne um conjunto de ações estruturadas para uma política de fortalecimento das exportações. Além de avançar na desoneração tributária das cadeias de bens produzidos para exportação, é preciso centrar esforços para conciliar, com mais eficácia, as restrições impostas por acordos e negociações internacionais e os objetivos da política industrial. Deve-se reconhecer também que a diplomacia brasileira pode atuar como uma grande aliada da PDP. Reforçar nosso setor exportador passa também por medidas que visam a aumentar a internacionalização das empresas brasileiras.

Outro ponto diz respeito à coordenação e gestão da PDP. Indiscutivelmente, a estrutura de governança da PDP é muito bem formulada. No entanto, é imprescindível que sua execução prime pela celeridade e não fique comprometida por falta de decisão e coordenação das iniciativas ou pela divisão de poderes – já que a política industrial necessariamente abrange várias áreas e instâncias de governo. Nesse aspecto, a PDP poderia talvez se inspirar no que foi feito no plano do governo na área de infraestrutura, o PAC, que tinha na então Ministra Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff uma liderança com autoridade para articular instrumentos, coordenar ações e cobrar resultados. Vale dizer que essa liderança “visível” também possibilitaria à sociedade saber de quem cobrar pelo andamento da política industrial.

A questão da sustentabilidade é um ponto fraco da PDP. Sabe-se que as sociedades estão cada vez mais exigentes com relação a um crescimento sustentável. Muitos negócios e muitas oportunidades estão aparecendo de forma exponencial nessa área. O Brasil não pode retardar sua estratégia de desenvolvimento sustentável. Num futuro não distante, a concorrência também se pautara por bens e serviços produzidos de modo sustentável. Caberia à PDP identificar setores promissores voltados para a produção de bens e tecnologias “verdes” e contemplá-los em sua política. Estudo realizado pelo IEDI (“Recomendações para o Desenvolvimento da Economia Verde”, in: Contribuições para uma Agenda de Desenvolvimento do Brasil. IEDI, dezembro de 2010.) mostrou grandes oportunidades de negócios em setores ligados a energias renováveis (de fonte eólica e solar fotovoltaica, além de biocombustíveis e biodiesel), algo que pode ser de grande interesse para o País.

Quanto aos mecanismos de incentivo/apoio utilizados pela nova política industrial, a PDP precisa dar maior abrangência e articulação ao assim chamado instrumento de “compras governamentais”. Por exemplo, envolvendo os gastos em setores em que é muito elevado o investimento social feito pelo setor público, como saúde e educação. Evidentemente, a conexão da política industrial com as atividades econômicas e os negócios que serão gerados pela exploração do pré-sal é condição essencial para a própria existência da política.

Se o objetivo da política industrial é propiciar um salto de competitividade do setor industrial nacional, será fundamental aprimorar os incentivos à inovação empresarial. No final de 2010, o IEDI lançou outro estudo (“A Política da Inovação”, in: Contribuições para uma Agenda de Desenvolvimento do Brasil. IEDI,) que apresenta uma série de sugestões de aperfeiçoamentos dos mecanismos já existentes voltados à inovação, como, por exemplo, os de renúncia fiscal (Lei do Bem), de financiamento reembolsável (BNDES, FINEP) e de financiamento não-reembolsável, tanto na forma de subvenção econômica (FINEP – FNDCT) quanto de fomento à P&D em cooperação acadêmica (Fundos Setoriais – FNDCT).

Por último, mas não menos importante, podem ser citados outros pontos para os quais a política industrial brasileira, visando o seu bom andamento, também deve se voltar: ligação mais consistente com as políticas macroeconômicas; incentivos específicos para a superação das diferenças regionais; harmonização das questões tributárias das diferentes unidades da federação; melhoria do ambiente econômico das micro e pequenas empresas; e uso mais seletivo do investimento direto estrangeiro.

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