A indústria nacional passa por um momento muito delicado,
o qual transparece na sua perda de competitividade. Os fatores
que determinam essa perda de competitividade já são
bem conhecidos – carências de infraestrutura, elevada
carga tributária, escassas fontes de financiamento de longo
prazo, câmbio valorizado, etc. Por causa desses fatores,
o custo de se produzir no Brasil tornou-se muito alto. O parque
industrial brasileiro é o décimo maior do mundo,
o que significa que o País tem uma indústria estruturada,
diversificada e dinâmica. Isso não é pouca
coisa e não pode ser ignorado e muito menos desperdiçado,
ou ainda, não se deve deixar a indústria brasileira
se “desmanchar”, já que ela é o motor
do crescimento econômico.
Existem bons
diagnósticos sobre os fatores que minam a competitividade
da indústria nacional e muitas iniciativas e propostas
para contorná-los. No entanto, essas iniciativas e propostas
tentam mais remediar os problemas do setor do que transformar
a indústria do País. Não se deve, evidentemente,
desqualificar tais iniciativas. Pelo contrário, elas podem
ser consideradas o substrato de qualquer política mais
abrangente de transformação do setor industrial.
Em outras palavras, há muito boas iniciativas e propostas
para dirimir as fragilidades que a indústria nacional apresenta
hoje, mas elas preveem, em geral, medidas pontuais e/ou pouco
articuladas. Por esse motivo, corre-se o risco, no Brasil, de
não se lograr sucesso não somente no fortalecimento
do setor industrial, mas, sobretudo, na sua expansão e
no seu “salto de qualidade”. É disto que se
trata: a industrialização brasileira precisa ser
aprofundada e, ao mesmo tempo, ganhar qualidade. O que precisamos
é de uma política industrial moderna, mais abrangente,
mais articulada, que tenha como horizonte o desenvolvimento do
País.
Inicialmente,
devem ser afastados os preconceitos sempre presentes quando se
fala em políticas industriais. Como afirmam os eminentes
economistas Cimoli e Dosi e o prêmio Nobel de economia Joseph
Stiglitz no capítulo que abre uma coletânea de artigos
sobre política industrial e o desenvolvimento, já
se foi o tempo em que políticas industriais eram tidas
como “... palavrões (bad words) que não
deveriam ser pronunciados em lugares públicos ou privados
por pessoas respeitáveis”. O entendimento é
bem outro: as políticas industriais são “...
ingredientes intrínsecos fundamentais de todo processo
de desenvolvimento” (The political economy of capabilities
accumulation: the past and future of policies for industrial development,
Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz, in: Industrial
Policy and Development, The Political Economy of Capabilities
Accumulation, Edited by Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph
E. Stiglitz. Oxford University Press, 2009. Tradução
livre).
Políticas
industriais são praticadas por muitos países, em
todos os continentes, há muitos anos. No Brasil, a política
industrial – enquanto ações coordenadas e
destinadas a promover a competitividade, o fortalecimento e a
diversificação industrial – inexistiu nos
anos 1980 e 1990. Somente em 2003, no primeiro ano do primeiro
mandato do presidente Lula, a política industrial começaria
a renascer no País com a formulação da Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE).
No entanto,
a política industrial somente ganhou nova estatura com
o lançamento, em maio de 2008, da Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP) – portanto, no segundo mandato do presidente
Lula. A PDP pode ser considerada um novo marco na política
industrial brasileira, não só por ela resgatar um
programa mais abrangente de promoção da indústria
nacional, mas também porque tal programa se harmoniza,
em grande parte, com o conceito mais atual de política
industrial.
O balanço
da PDP no período 2008-2010 pode ser considerado positivo.
De acordo com os vários relatórios disponíveis
para consulta pública no Portal da PDP, das 425 medidas
de política propostas pela Política (29% relacionadas
a financiamento, 31% a assistência técnica e informações,
26% a medidas fiscais, 8% a regulamentação e 6%
a comércio internacional), praticamente todas elas (99%)
foram postas em pleno funcionamento (41% dessas estavam relacionadas
à meta de investimento; 29% às exportações;
20% à inovação e 10% ao desenvolvimento da
MPEs).
No entanto,
devido à crise internacional que eclodiu em 2008 e se arrastou
por boa parte de 2009 e também à forte valorização
do real nos últimos anos, três das quatro macrometas
estabelecidas pela PDP para o período 2008-2010 não
atingiram seus objetivos. A participação do P&D
empresarial em relação ao PIB, cuja meta prevista
era de 0,65%, alcançou somente a marca de 0,59% em 2010
(partindo de uma base de 0,51%). O número de MPEs no total
de empresas exportadoras, cuja meta era aumentar em 10% em 2010
com relação a 2006, caiu 16%. A participação
da Formação Bruta de Capital Fixo no PIB, cuja meta
era sair dos 17,4% em 2007 para 21,0% em 2010, deve ficar em torno
de 19,0%.
Somente a
meta relacionada às exportações foi atingida:
previa-se que as exportações brasileiras chegassem,
em 2010, a uma participação de 1,25% das exportações
mundiais, e o resultado provável é que atinjam um
valor de 1,35% – porém, o êxito aqui deveu-se
mais pelo fraco desempenho das exportações mundiais
nos últimos anos e menos pelas medidas ligadas à
PDP – além do que, vale dizer, o valor das exportações
do Brasil foi substancialmente beneficiado pelo maior aumento
dos preços das commodities, sejam agropecuárias
ou da extrativa mineral, relativamente aos preços dos bens
manufaturados.
Como dito
acima, a PDP avançou muito em termos de política
industrial moderna, seja no estabelecimento de metas e na explicitação
das ações para sua execução, seja
na elaboração de seus instrumentos e de sua governança,
ou mesmo na identificação das suas fontes de financiamento
e dos setores estratégicos para o desenvolvimento de atividades
indutoras de mudança tecnológica e de difusão
da inovação. Agora, diante das grandes transformações
econômicas e sociais pelas quais o mundo passa, que reforçam
o imperativo da concorrência, abre-se um novo ciclo para
a política industrial no Brasil. Mas, isso não significa
que ela deva mudar de rumos ou passar por revista circunstanciada.
Pelo contrário. Os primeiros esforços devem ser
direcionados para garantir que a política industrial se
consolide como um instrumento permanente e qualificado para a
promoção da competitividade da indústria
nacional e do desenvolvimento do País.
Toda política
industrial é passível, evidentemente, de ser aperfeiçoada.
Essa é, em verdade, uma necessidade sua, já que
seu objeto de interesse e atuação – o sistema
produtivo industrial – é de natureza dinâmica.
A política industrial brasileira deve seguir sempre pelo
caminho do aprimoramento. O seu êxito estará em ser
ao mesmo tempo ambiciosa (na qualidade de instrumento do desenvolvimento)
e comedida (por zelar pela alocação eficiente dos
recursos, reconhecidamente, escassos).
A PDP pode
ser reforçada ou aprimorada em muitos dos seus pontos.
Em primeiro lugar, caberia valorizar mais as cadeias produtivas
que agregam maior valor, que são mais intensivas em tecnologia
e difusoras de inovação. Uma política mais
ambiciosa de formação de recursos humanos também
merece maior atenção da política industrial,
o que poderia ser estimulado pela aproximação do
Ministério de Educação, das instituições
já existentes de fomento à pesquisa e aperfeiçoamento
de pessoas e das demandas das empresas.
Um ponto
crucial é reforçar e ampliar as medidas e ações
para área de exportação, sobretudo no que
diz respeito ao segmento exportador de manufaturas. A PDP não
reúne um conjunto de ações estruturadas para
uma política de fortalecimento das exportações.
Além de avançar na desoneração tributária
das cadeias de bens produzidos para exportação,
é preciso centrar esforços para conciliar, com mais
eficácia, as restrições impostas por acordos
e negociações internacionais e os objetivos da política
industrial. Deve-se reconhecer também que a diplomacia
brasileira pode atuar como uma grande aliada da PDP. Reforçar
nosso setor exportador passa também por medidas que visam
a aumentar a internacionalização das empresas brasileiras.
Outro ponto
diz respeito à coordenação e gestão
da PDP. Indiscutivelmente, a estrutura de governança da
PDP é muito bem formulada. No entanto, é imprescindível
que sua execução prime pela celeridade e não
fique comprometida por falta de decisão e coordenação
das iniciativas ou pela divisão de poderes – já
que a política industrial necessariamente abrange várias
áreas e instâncias de governo. Nesse aspecto, a PDP
poderia talvez se inspirar no que foi feito no plano do governo
na área de infraestrutura, o PAC, que tinha na então
Ministra Chefe da Casa Civil Dilma Rousseff uma liderança
com autoridade para articular instrumentos, coordenar ações
e cobrar resultados. Vale dizer que essa liderança “visível”
também possibilitaria à sociedade saber de quem
cobrar pelo andamento da política industrial.
A questão
da sustentabilidade é um ponto fraco da PDP. Sabe-se que
as sociedades estão cada vez mais exigentes com relação
a um crescimento sustentável. Muitos negócios e
muitas oportunidades estão aparecendo de forma exponencial
nessa área. O Brasil não pode retardar sua estratégia
de desenvolvimento sustentável. Num futuro não distante,
a concorrência também se pautara por bens e serviços
produzidos de modo sustentável. Caberia à PDP identificar
setores promissores voltados para a produção de
bens e tecnologias “verdes” e contemplá-los
em sua política. Estudo realizado pelo IEDI (“Recomendações
para o Desenvolvimento da Economia Verde”, in: Contribuições
para uma Agenda de Desenvolvimento do Brasil. IEDI, dezembro
de 2010.) mostrou grandes oportunidades de negócios em
setores ligados a energias renováveis (de fonte eólica
e solar fotovoltaica, além de biocombustíveis e
biodiesel), algo que pode ser de grande interesse para o País.
Quanto aos
mecanismos de incentivo/apoio utilizados pela nova política
industrial, a PDP precisa dar maior abrangência e articulação
ao assim chamado instrumento de “compras governamentais”.
Por exemplo, envolvendo os gastos em setores em que é muito
elevado o investimento social feito pelo setor público,
como saúde e educação. Evidentemente, a conexão
da política industrial com as atividades econômicas
e os negócios que serão gerados pela exploração
do pré-sal é condição essencial para
a própria existência da política.
Se o objetivo
da política industrial é propiciar um salto de competitividade
do setor industrial nacional, será fundamental aprimorar
os incentivos à inovação empresarial. No
final de 2010, o IEDI lançou outro estudo (“A Política
da Inovação”, in: Contribuições
para uma Agenda de Desenvolvimento do Brasil. IEDI,) que
apresenta uma série de sugestões de aperfeiçoamentos
dos mecanismos já existentes voltados à inovação,
como, por exemplo, os de renúncia fiscal (Lei do Bem),
de financiamento reembolsável (BNDES, FINEP) e de financiamento
não-reembolsável, tanto na forma de subvenção
econômica (FINEP – FNDCT) quanto de fomento à
P&D em cooperação acadêmica (Fundos Setoriais
– FNDCT).
Por último,
mas não menos importante, podem ser citados outros pontos
para os quais a política industrial brasileira, visando
o seu bom andamento, também deve se voltar: ligação
mais consistente com as políticas macroeconômicas;
incentivos específicos para a superação das
diferenças regionais; harmonização das questões
tributárias das diferentes unidades da federação;
melhoria do ambiente econômico das micro e pequenas empresas;
e uso mais seletivo do investimento direto estrangeiro.
Leia
aqui o texto completo desta Análise.