16 de dezembro de 2010

Financiamento de Longo Prazo
Um passo à frente


   

 
As várias medidas anunciadas pelo governo na área do financiamento de longo prazo, conjugadas à recente isenção de incidência de recolhimento compulsório sobre as letras financeiras, emitidas pelos bancos, devem ser consideradas como o primeiro conjunto de políticas relevantes para incentivar o financiamento de longo prazo na economia brasileira. Como se sabe, até agora – o que certamente ainda prevalecerá por algum tempo, até que as medidas surtam efeito – o financiamento do investimento está muito congestionado no BNDES, de forma que as empresas brasileiras têm nessa fonte e em linhas externas seus únicos canais de obtenção de fundos de longo prazo. Para alguns setores têm sido relevante o mercado de ações ou o financiamento privado, via emissão de títulos corporativos. Tais limitações fazem com que seja muito expressiva a fonte interna de acumulação de lucros – mais de 50% –, mas, mesmo assim, o financiamento constitui uma barreira para os investimentos na economia brasileira.

A melhora de fato do financiamento em bases voluntárias somente ocorrerá quando a taxa de juros na economia tornar-se baixa o suficiente para convencer os detentores e administradores da riqueza financeira a buscarem alternativas de melhor rentabilidade em operações de longo prazo e em aplicações de risco. Mas as medidas anunciadas podem ajudar a antecipar o desenvolvimento do financiamento no Brasil. Ficaram isentos do IR os rendimentos obtidos pelas pessoas físicas residentes no país e investidores estrangeiros e foi reduzido de 34% para 15% o imposto de renda para pessoas jurídicas do país que venham a adquirir títulos com prazo mínimo de seis anos. Pequeno grande detalhe: a medida beneficia exclusivamente projetos de infraestrutura. Trata-se de uma restrição certamente motivada por receio de queda de arrecadação. Mas, de qualquer maneira, é um ponto de partida, que se tornará de fato decisivo quando de sua generalização. Não custa observar que a lacuna do financiamento de longo prazo não é atinente a um ou outro setor, mas, sim, é o traço característico da economia que afeta negativamente o investimento em qualquer segmento, muito embora a infraestrutura, com seus longos prazos de retorno e imobilizações vultosas, esteja à frente.

Outra medida relevante é a que isentou de IR os rendimentos dos aplicadores estrangeiros em títulos de empresas não financeiras, o que equivale a equiparar, do ponto de vista fiscal, tais aplicações à compra de títulos públicos. A medida é relevante e deverá ter impacto positivo no financiamento das empresas junto ao mercado de capitais. O “pacote” também procurou ampliar o financiamento imobiliário, a formação de mercados secundários para a negociação de títulos privados e incentiva a não indexação dos títulos privados a taxas de juros de curto prazo, como o CDI, todas elas medidas pertinentes.

Ao lado da limitação setorial do incentivo fiscal para a colocação de títulos corporativos, uma outra lacuna das medidas anunciadas diz respeito a um incentivo que poderia ser instituído para que os bancos ampliassem sua concessão de crédito a prazo mais longo. Em nossa opinião, os bancos continuam sem ter atrativo para emprestar com fontes próprias, ou seja, exceto os recursos de repasses do BNDES, a prazos compatíveis com os investimentos.
  

 
De acordo com o divulgado ontem pelo Ministério da Fazenda, as medidas para o fomento do financiamento de longo prazo são as seguintes:

  1. Desoneração do Imposto de Renda para pessoa física (alíquota zero), pessoa jurídica (redução para 15% definitiva) e investidor não residente (alíquota zero), sobre os rendimentos de debêntures voltadas para projetos de infra-estrutura. A mudança é válida para compra direta ou aplicação via fundo de investimento. As debêntures devem ter as seguintes características: emitidas por Sociedade de Propósito Específico com “duration” de no mínimo 4 anos (prazo total em torno de 6 anos), sem opção de recompra nos dois primeiros anos; rendimento por taxa fixa ou índice de preço; pagamento de cupom com prazo mínimo de 180 dias e com emissão total limitada ao valor do projeto de infra-estrutura, aprovado pelo Governo Federal (MF e Ministérios setoriais).

  2. Desoneração do Imposto de Renda sobre rendimentos de títulos privados de longo prazo, adquiridos por não residentes (alíquota zero), desde que atendam às seguintes condições: emitidos por empresa não financeira com “duration” de no mínimo 4 anos (prazo total em torno de 6 anos), sem opção de recompra nos dois primeiros anos; rendimento por taxa fixa ou índice de preço; pagamento de cupom com prazo mínimo de 180 dias e emissão por meio de oferta pública (CVM) vinculada a projeto de investimento.

  3. Autorização para que as instituições financeiras destinem até 3 p.p. do compulsório sobre depósitos a prazo para criação do fundo de liquidez para títulos privados, visando aumentar a liquidez do mercado secundário de títulos privados (market maker), mediante colocação diária de propostas de compra e venda. O fundo será administrado por entidade a ser selecionada ou constituída pelo setor privado, podendo haver aportes adicionais por parte de outros agentes, inclusive do BNDES.

  4. Redução na tributação sobre mercado de capitais, com o objetivo de ampliar a liquidez e desenvolver o mercado secundário de títulos públicos e privados, com eliminação do IOF de até 30 dias sobre compra e venda de títulos privados. E também a alteração na tributação sobre rendimentos periódicos, para que a negociação de títulos fora da data de pagamento do cupom não gere tributação adicional.

  5. Regulamentação da oferta pública de letras financeiras por parte da CVM (registro, prospecto, roadshow, bookbuilding, etc).

  6. Autorização para emissão de letras financeiras por parte do BNDES, tornando-se uma fonte alternativa de financiamento, principalmente para linhas não prioritárias (capital de giro, warrantagem, fusões e aquisições, etc.), reduzindo a necessidade de empréstimo da União para o BNDES. O limite anual de emissão será determinado pelo CMN.

  7. Mudança no tratamento tributário de dívidas renegociadas do regime de competência para regime de caixa, referentes a crédito rural e crédito para pessoa física com saldo devedor de até R$ 30 mil. Espera-se que a medida eleve o índice de recuperação de créditos em atraso de dívidas rurais e de pessoas físicas. A medida também contribui para redução do spread bancário cobrado nessas linhas.

  8. Redução do IOF de câmbio cobrado na entrada de recursos para aplicação em Fundos de Investimento em Participações (FIP) e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE) de 6% para 2%. O objetivo da medida é estimular o investimento de longo prazo.

  9. Aperfeiçoamento na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei das S.A., com o objetivo de proporcionar maior racionalidade e rapidez para emissão de debêntures. A alteração vai permitir emissões concomitantes, flexibilização da recompra pelo emissor em mercados organizados, autorização para o Conselho de Administração decidir sobre emissão de debêntures conversíveis, pagamento do cupom sobre preço unitário atualizado e eliminação do limite para emissão de debêntures quirografárias (sem preferência no caso de recuperação judicial).

  10. Incentivo ao mercado de securitização de crédito imobiliário. Passa a ser permitida a contabilização de créditos securitizados no enquadramento do direcionamento de depósitos de poupança (65%). O crédito securitizado poderá ser contabilizado por 36 meses, com redução de 1/36 por mês. Estimula-se assim a securitização de créditos antigos e libera recursos de poupança para novos créditos

Estima-se que o impacto fiscal total no primeiro ano será de R$ 162 milhões, de acordo com:

  • Desoneração para títulos em infraestrutura: R$ 5 milhões;

  • Desoneração para títulos de longo prazo adquiridos por não residentes: R$ 60 milhões;

  • IOF de 30 dias sob títulos privados: R$ 40 milhões;

  • Mudança na tributação do Cupom: R$ 57 milhões.

O Papel do BNDES. O BNDES também adotou medidas para o incentivo do financiamento voluntário de longo prazo. Serão aperfeiçoadas as condições para aquisição de debêntures em ofertas públicas, visando influir positivamente no desenvolvimento do mercado de dívida corporativa por meio de sua ação como investidor. O BNDES também passará a atuar de maneira direta no mercado secundário de títulos de renda fixa, por meio de plataforma eletrônica, objetivando a ampliação da liquidez. Além disso, trabalhará em parceria com outros participantes do mercado na elaboração e difusão de indexadores mais adequados ao financiamento de longo prazo, visando abrir alternativas e incentivar a substituição do CDI como principal referência no mercado de dívida corporativa.

O BNDES também anunciou acordo de cooperação com a BM&FBovespa. O documento abre caminho para que as duas instituições trabalhem para o desenvolvimento do mercado de capitais nos segmentos de renda fixa e variável, ampliando os instrumentos de poupança de longo prazo disponíveis no mercado brasileiro.

O BNDES já desempenha um papel importante no desenvolvimento do mercado de dívida corporativa, adquirindo estes ativos em ofertas públicas. Agora, as regras deste programa foram aperfeiçoadas, para fomentar emissões mais focadas no longo prazo e estimular o desenvolvimento de um mercado secundário com mais liquidez.

Para participar das ofertas, o BNDES passará a impor como condições mínimas que a remuneração do título não seja expressa em porcentagem do CDI. Também vetará a inclusão de cláusula de resgate antecipado com prazo inferior a sete anos e exigirá a presença de formadores de mercado.

Cumpridos estes requisitos mínimos, o BNDES dimensionará o seu nível de participação na oferta, cujo teto é de 20%. Para isso, o Banco considerará diversos fatores, tais como a utilização de indexadores que substituam o CDI, taxa de juros de 1 dia, por outros mais adequados ao financiamento de longo prazo (IPCA, taxa prefixada, taxas flutuantes análogas às usadas no mercado internacional: “Libor Brasileira”). Outros fatores avaliados serão a estruturação da oferta com foco na pulverização (em especial junto a investidores de varejo) e que os recursos levantados pela emissão sejam utilizados no financiamento a projetos que elevem a taxa de investimento da economia, entre outras características.

O programa para aquisição de debêntures simples em ofertas públicas possui uma dotação orçamentária de R$ 10 bilhões, sendo que cerca de R$ 8 bilhões ainda estão para ser alocados.

Outra medida anunciada é que, para dar mais liquidez aos papéis adquiridos no programa, o BNDES vai retomar as operações no mercado secundário das debêntures em sua mesa de renda fixa, com ofertas em leilão eletrônico com solicitação de cotação aberta a todos os participantes do mercado.

Além das iniciativas que já estão em curso, o BNDES trabalhará em conjunto com entidades do mercado para viabilizar o aluguel de títulos privados em carteira, como forma de estimular a atuação de formadores de mercado.

A ideia é que o BNDES, que possui um volume expressivo de debêntures em carteira, possa alugar estes títulos a formadores de mercado, que desta forma não precisarão ter um volume grande destes papéis entesourados para poder oferecê-los. Com este mecanismo, o BNDES poderá contribuir para a maior difusão da atividade de formação de mercado (market making), ampliando a liquidez dos papéis negociados.

O BNDES e a BM&FBovespa anunciaram um acordo para estimular o aumento das operações com títulos de renda fixa e o aprimoramento do mercado de capitais em geral. O acordo busca estimular o crescimento do mercado e ampliar os mecanismos para que mais investidores participem de negociações de títulos e de ações, desenvolvendo instrumentos de financiamento de longo prazo no país.

A BNDESPAR tem sido um agente importante no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Conta hoje com uma carteira que soma R$ 101,6 bilhões em participações societárias, de acordo com o balanço de setembro deste ano.

O acordo prevê que as partes trabalhem, por meio de iniciativas e estudos conjuntos, para estimular a realização de ofertas primárias e secundárias de títulos de renda fixa, bem como ofertas públicas de debêntures. Outra possibilidade é criar produtos de renda variável com rendimento atrelado a algum índice de ações. O acordo também prevê que as empresas que recebam investimentos da BNDESPAR ampliem sua governança e recebam estímulos para aderirem ao Bovespa Mais e ao Novo Mercado.

 

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